A âncora da nossa promessa.
O mínimo que sabemos sobre o futuro é que dependemos dele de forma elementar e que não podemos nos “apoderar” dele, nem mesmo com a ajuda do nosso maior poder e orgulho: com o nosso conhecimento. Não sabemos como será o futuro. Sabemos nem mesmo até quando nosso futuro durará para cada um de nós; mesmo assim, somos capazes de lançar naquele mar do futuro a âncora da nossa promessa.
Visto sobriamente, trata-se de um ato muito arriscado e corajoso quando nos ancoramos no desconhecido. A coragem necessária para executar esse ato é chamada esperança.
Quando, porém, esse ato ocorre de maneira irrefletida ou apressada, não estamos lidando com coragem, mas com insensatez; quando ele é realizado de forma leviana ou superficial, sem a seriedade que a promessa exige, ele nada mais é do que uma expressão de irresponsabilidade e de um caráter mau, de imaturidade ou cinismo.
Uma promessa revela mais sobre um ser humano do que ele costuma acreditar, é sempre um teste de sua qualidade humana. Fazer uma promessa significa “marcar um encontro consigo mesmo daqui a anos”, escreveu Chesterton.
Raramente, um encontro desse tipo, contanto que seja levado a sério, transcorre sem surpresas. No caso de uma pessoa que não passou pelo teste de fidelidade, pelo teste de caráter representado por essa promessa, esse encontro pode ser muito frustrante. Mas esse encontro consigo mesmo pode ser também uma oportunidade de verificar a solidez e autenticidade da nossa esperança.
Aquela âncora que foi lançada no mar imerso na neblina do futuro era realmente a esperança, ou era apenas uma ilusão, um desejo demasiadamente humano, uma ingenuidade imatura, um otimismo superficial, uma pressa irrefletida, “uma confiança arrogante”?
É justamente no caso de uma promessa que se evidencia se a esperança possui o caráter de um relacionamento. No caso de promessas em contexto religioso, Deus está sempre envolvido, pois a fórmula da promessa abarca a confissão da esperança e da confiança na fidelidade e ajuda de Deus: “Que Deus me ajude”. Ou: “Você quer...?” – “Eu quero, com a ajuda de Deus!”.
O apelo a Deus e à sua ajuda não é uma garantia esperta ou mágica; pois nem mesmo Ele nos livra da responsabilidade pelo passo que fazemos com a nossa promessa. É, porém, uma confissão humilde de que estamos fazendo algo que realmente excede as nossas forças; pois o futuro transcende radicalmente o nosso “campo de força”, nossa esfera de influência.
Deus e o futuro estão indissoluvelmente unidos um ao outro; o futuro não é apenas uma metáfora para Deus e a imagem de sua incompreensibilidade, mas Deus é nosso futuro; Ele é, ao contrário de nós mesmos, seu Senhor; nós, porém, “temos” o nosso futuro apenas na esperança, na modalidade da esperança. Nós o temos e não o temos, exatamente como temos Deus e não o temos. Deus é nossa esperança, não nossa “posse”.
Quando invadimos o âmbito do futuro por meio de uma promessa, entramos num território que não nos pertence, mas que é território de Deus; mas justamente por isso, ele não nos é “estranho”, apesar de não pertencer a nós. Isso legitima a nossa esperança, isso eleva a coragem das nossas promessas acima da neblina das ilusões e tolices: a confiança em Deus, a fé em seu amor e sua fidelidade; a confiança de que, no futuro, não seremos estranhos perdidos e desorientados nessa casa de Deus, de que não precisamos temer o futuro. Mesmo assim, vale ultrapassar o limiar da casa paterna com respeito e temor.
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Não sem esperança: O retorno da religião em tempos pós-otimistas
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