O Caminho da Promessa
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim.” (Jo 14,6)*
As palavras de Jesus no Evangelho de João soam como um eco eterno no coração dos cristãos: Ele é o caminho que conduz ao Pai, a verdade que revela o mistério escondido, e a vida que vence a morte. Este caminho, traçado pelo próprio Deus, é o cumprimento de uma promessa antiga — uma promessa feita aos nossos pais, como lembra São Paulo em Antioquia (At 13,26–33), e agora definitivamente realizada na ressurreição de Jesus.
Há promessas que não se escrevem em papel,
mas nas entrelinhas do tempo,
no silêncio que precede a aurora,
no coração que arde sem saber por quê.
Paulo ergue a voz na sinagoga antiga,
e suas palavras atravessam os séculos:
“Deus cumpriu sua promessa.”
Sim, a promessa não ficou suspensa nas nuvens,
nem perdida nos pergaminhos da história —
ela se fez carne,
se fez cruz,
se fez ressuscitado.
Mas quantos viram e não enxergaram?
Quantos escutaram e continuaram surdos?
O Mistério passou por entre eles,
como vento entre colunas de pedra.
Porque o instante, quando não é amado,
escorre pelos dedos da alma.
—
Jesus diz: “Não se perturbe o vosso coração.”
E ali, entre a ceia e a sombra,
Ele nos oferece um mapa sem linhas,
um caminho que é Ele mesmo,
uma casa de muitas moradas
com espaço para todos os cansaços do mundo.
Tomé hesita.
E quem de nós não hesita também?
Queremos a bússola, o traço, a rota exata.
Mas o caminho se revela andando,
e o destino é uma confiança,
não uma certeza.
Tolentino sussurra ao coração distraído:
“O instante é o lugar onde Deus chega.”
Não será amanhã, nem foi ontem.
É agora.
É aqui.
No pão que parte o silêncio,
no olhar que abriga,
na ferida que ainda pulsa,
mas já espera cura.
O Filho foi gerado hoje.
E este hoje não termina.
É o hoje eterno,
onde a vida é mais do que tempo:
é dom.
Então, levanta-te.
Recolhe os sinais do invisível.
Abre o coração como quem abre uma janela
para o sol que ainda não nasceu,
mas cuja luz já desenha contornos em tua alma.
A casa do Pai não está longe.
Ela começa onde a confiança encontra o instante
e faz dele morada.
*A Promessa Cumprida*
Os Padres da Igreja compreenderam que a história da salvação é um fio contínuo que atravessa o tempo, desde Abraão até Cristo. Santo Irineu de Lyon dizia que “a economia da salvação é pedagógica” — Deus prepara o coração do homem através de promessas, realizações parciais, expectativas, até que, na plenitude dos tempos, “envia o seu Filho” (cf. Gl 4,4).
Paulo, ao anunciar Jesus na sinagoga, não apresenta uma nova doutrina, mas a continuidade da fé: “A promessa que Deus fez aos nossos pais, Ele a cumpriu em nós, ressuscitando Jesus” (At 13,32–33). A ressurreição não é uma surpresa para os que conhecem as Escrituras; é o selo da fidelidade divina. Como canta o Salmo 2: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei!” — o “hoje” de Deus invade o tempo dos homens e transforma a nossa história.
A Promessa feita e cumprida no instante presente
Na sinagoga de Antioquia, Paulo fala com clareza: Deus fez uma promessa aos nossos antepassados e cumpriu-a em Jesus, ressuscitando-O dos mortos. O tempo da promessa cumprida não é mais uma espera distante — é agora, é hoje, como declara o Salmo: “Tu és meu Filho, hoje te gerei.”
José Tolentino de Mendonça, em A Mística do Instante, insiste que Deus nos visita no presente. O cristão não vive da nostalgia do passado nem da ansiedade do futuro, mas da graça que se revela no instante vivido com profundidade. Ele escreve:
“A vida espiritual não se constrói apenas com grandes experiências. Ela nasce da capacidade de escutar o que o presente tem para dizer.”
Assim como os ouvintes de Paulo, somos convidados a despertar para a promessa já cumprida, presente, viva — e não resistir como os que “não reconheceram” Jesus, mesmo tendo-O escutado e visto.
Jesus é o caminho da promessa viva
Em João 14, Jesus não aponta para um mapa: Ele é o próprio caminho. Quando tudo parece desabar, quando a cruz se aproxima e a noite cai sobre o coração dos discípulos, Jesus oferece um consolo que é também um chamado: “Não se perturbe o vosso coração.” A casa do Pai está aberta. A promessa se cumpre n’Ele.
Tolentino nos convida a descer da abstração para a concretude da fé. A promessa não está em uma doutrina fria, mas na experiência da presença, no lugar em que a fé se torna encontro:
“O que transforma a existência não são necessariamente grandes acontecimentos, mas o modo como vivemos cada momento, como permitimos que ele nos toque, como consentimos que ele nos revele o que somos e quem é Deus.”
Jesus é o caminho da promessa porque Ele mesmo se torna o instante divino em nossa carne — o lugar onde o eterno beija o tempo.
*A Fé que Caminha*
Raniero Cantalamessa observa que a fé cristã não é apenas adesão a uma doutrina, mas entrada viva numa história, num caminho. A fé não nos tira do mundo, mas nos coloca em marcha dentro dele, com os olhos fixos em Cristo ressuscitado. E se Jesus é o Caminho, então a vida cristã não é estática: é travessia, é páscoa.
São Gregório de Nissa, meditando sobre o Êxodo, ensina que “a perfeição cristã está no contínuo progresso”. *A casa do Pai não é apenas um destino: é a esperança que ilumina o presente, o sentido que sustenta as noites escuras da alma*. Por isso Jesus diz: “Não se perturbe o vosso coração” (Jo 14,1). Diante do sofrimento e da morte, não nos é prometido um atalho, mas um caminho seguro.
*A Cegueira da Incredulidade*
O Evangelho também nos adverte: assim como muitos viram Jesus e não creram, nós também corremos o risco de resistir à verdade por medo, apego ou dureza de coração. Santo Agostinho, ao comentar os momentos finais de Jesus, afirma: “Deus permite que os corações endurecidos tropecem, para que os humildes encontrem a salvação”.
A pergunta de Tomé — “Não sabemos para onde vais; como podemos conhecer o caminho?” — é também a nossa pergunta nas horas de escuridão. Mas Jesus não nos oferece apenas instruções: oferece-Se a Si mesmo. Não há outro caminho senão Ele. Seguir a Jesus não é entender tudo, mas confiar n’Ele, mesmo sem ver.
*Caminho de Verdade e Vida*
Para os Padres, Jesus é o Caminho porque em Sua carne Ele nos conduz ao Pai; é a Verdade porque revela quem Deus é; é a Vida porque comunica a própria existência divina àqueles que n’Ele creem. “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). Este é o dom da fé: reconhecer em Jesus o cumprimento das promessas, a luz para o presente e a garantia da eternidade.
Raniero Cantalamessa comenta que, pela ressurreição, Jesus não apenas venceu a morte, mas inaugurou em nosso favor a estrada da vida eterna. Nossa esperança não se baseia em ideias, mas em um acontecimento real, histórico e eterno. Cristo ressuscitado é a nova criação, o primeiro de muitos irmãos. Por isso, Ele mesmo prepara lugar na casa do Pai (Jo 14,2).
A casa do Pai como horizonte do instante
Jesus diz: “Na casa de meu Pai há muitas moradas.” Essa casa não é apenas um lugar futuro, mas um símbolo da comunhão com Deus, já acessível pela fé. O horizonte da eternidade ilumina o agora.
Tolentino escreve:
“Cada instante é uma possibilidade de eternidade. Não vivemos apenas o que acontece, mas o modo como nos abrimos ao que acontece.”
A mística do instante, como a promessa cristã, não nega o tempo, mas o redime. Quando nos abrimos ao instante com fé, ele se transfigura: a dor se torna escola, o silêncio se torna oração, o cotidiano se torna sacramento.
O desafio da confiança
Como Tomé, também nós queremos controlar o caminho. “Não sabemos para onde vais”, diz ele. Mas Jesus não oferece um itinerário lógico, e sim um convite à confiança. Tolentino afirma que a maturidade espiritual não se mede pela certeza, mas pela confiança no escuro, pela coragem de viver com fé mesmo quando tudo parece ausente.
“A vida espiritual é esse passo no escuro. É a confiança de que, mesmo quando não compreendemos, estamos sendo conduzidos.”
Vivência devocional: confiar no instante como espaço da promessa
O “hoje” da promessa é a porta estreita do instante. Não precisamos esperar sinais extraordinários. A fé verdadeira consiste em abrir os olhos e o coração à presença de Deus no agora, nas fragilidades, nas esperas, nas dores e nas alegrias pequenas.
*Caminhar com Fé*
*Reflita:*
Jesus não nos promete ausência de lutas, mas uma morada segura. Ele mesmo é a ponte entre a promessa e seu cumprimento. O que foi dito aos pais é agora oferecido a nós: o dom da vida eterna. Quem crê em Jesus vê além da cruz — vê o Pai que acolhe, a casa que espera, e o Filho que conduz.
*Oração:*
Senhor Jesus, Tu és o Caminho que me foi aberto pela Tua Cruz, a Verdade que me liberta da mentira e do medo, e a Vida que vence minha morte. Dá-me um coração que não resista, mas se abandone. Quando eu não vir, que eu creia; quando eu não entender, que eu confie. Pois sei que Tu és fiel, e o que prometeste, cumpriste em Ti mesmo. Amém.
*Compromisso*
Hoje, farei minha profissão de fé com palavras simples:
“Creio, Senhor, que a vida não termina aqui.
Tu és meu Caminho.
Tu és minha Verdade.
Tu és minha Vida.
Em Ti confio e não serei confundido.”
*Entenda*
Deus prometeu. Deus cumpriu.
Jesus é a Promessa encarnada, crucificada e ressuscitada.
Segui-Lo é aceitar entrar nesta história, ser peregrino com esperança, e viver já como filho da casa do Pai.
*“Não se perturbe o vosso coração... Na casa de meu Pai há muitas moradas.” (Jo 14,1–2)*
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