Deus Chamou. Mas o Mundo Estava com Fones de Ouvido

 



Deus silenciado pela razão? 


Vivemos em um mundo onde a ausência de Deus não se grita mais — ela é simplesmente presumida. Um mundo em que o silêncio de Deus não é sinal da sua inexistência, mas do barulho ensurdecedor da razão autossuficiente, do ego inflado e da filosofia que trocou o ser pelo sentir. Essa não é apenas uma crise religiosa — é uma crise da própria existência.


Foi esse o diagnóstico agudo e profético de Cornelio Fabro, um dos maiores intérpretes do drama intelectual do nosso tempo. Em sua obra clássica L’ateismo nel pensiero moderno, Fabro não fala apenas de descrença. Ele descortina o processo silencioso, quase imperceptível, que levou ao colapso do pensamento sobre o Ser — e à entronização do homem no lugar de Deus.



Quando o “Eu penso” calou o “Ele é”


Tudo começou com uma frase aparentemente inofensiva: “Penso, logo existo.”

Com Descartes, o ponto de partida da filosofia deixou de ser o ser objetivo, para se tornar a consciência subjetiva. O real deixou de ter autoridade em si mesmo. Só passa a existir, na prática, aquilo que eu percebo, entendo ou sinto.


Assim nascia o que Fabro chama de princípio da imanência: tudo o que é verdadeiro ou válido deve nascer e ser validado dentro da minha consciência. Um sutil desvio no alicerce da metafísica… mas que mudaria tudo.



O império da razão e o colapso da transcendência


A partir desse ponto, a razão humana deixou de ser uma janela para o real e passou a querer construir o real. Com Kant, Fichte e Hegel, o sujeito já não apenas conhece, mas define a realidade. O homem já não se curva diante da verdade — ele a fabrica.


Com isso, Deus se tornou um incômodo: se tudo o que é real deve passar pelo crivo da razão, que espaço sobra para um Deus que é infinitamente maior do que o pensamento humano?



De Deus como Pai a Deus como Projeção


Com Feuerbach, a ruptura ficou evidente: Deus não passa de um espelho da humanidade idealizada.

Marx foi além: essa “projeção” divina é uma ferramenta para controlar as massas.

Nietzsche deu o golpe final: “Deus está morto” — não apenas como crença, mas como fundamento da cultura.


Fabro revela que essa sequência não é casual. É a consequência lógica de um erro filosófico inicial: abandonar o ser como ponto de partida e substituir a realidade objetiva pela construção subjetiva. Um ateísmo sofisticado, elegante… e profundamente vazio.



O ateísmo elegante que parece humildade


Esse novo ateísmo não é agressivo. Não é militante.

Ele se esconde atrás de discursos sobre tolerância, liberdade e razão.

Mas, em sua raiz, nega a possibilidade de transcendência. Fecha o homem dentro de si mesmo.

E quando o homem deixa de olhar para o alto… acaba perdido no próprio abismo.



O caminho de volta: não basta crer — é preciso pensar certo


Cornelio Fabro aponta a saída. Não basta “voltar a crer” em Deus se continuarmos pensando de maneira desalinhada com a realidade.


A cura não virá de um misticismo sentimental nem de um emocionalismo superficial.

Ela começa com uma restauração do pensamento, com uma metafísica que reconhece o ser antes do pensar, o real antes do sentir, Deus antes do eu.


Inspirado por Santo Tomás de Aquino, Fabro resgata a grande chave esquecida: o actus essendi — o ato de ser.

É nele que o homem redescobre seu lugar, sua origem e seu destino.

É nele que Deus volta a ser Deus — e o homem volta a ser homem.



Reflexão: Ainda é possível ouvir a Voz


Sim, Deus continua chamando. Mas o mundo está com fones de ouvido.

Somos filhos de uma modernidade que nos ensinou a confiar mais na dúvida do que na Verdade.

Mas há um caminho de volta. Um retorno à fonte. Não de olhos fechados, mas com a razão aberta.

Não apenas com fé… mas com uma filosofia que sustenta a fé.





Quando Deus se Torna Desnecessário: o Ateísmo e a Crise do Ser




Vivemos uma época em que Deus não é mais negado com raiva — Ele é apenas ignorado. Substituído. Tornado irrelevante.

E isso não nasceu de um ódio repentino, mas de um lento e profundo deslocamento no modo como o homem moderno pensa, sente e vive.


Cornelio Fabro, em sua análise magistral sobre o ateísmo moderno, nos ajuda a perceber algo essencial:


O ateísmo não é, em sua raiz, um problema moral…

…mas um problema ontológico e epistemológico: o homem perdeu o contato com o ser e, com isso, fechou-se à transcendência.


Essa crise de fundamentos se tornou o solo onde floresceu o niilismo, o relativismo e o secularismo que hoje moldam escolas, universidades, mídias e até a linguagem comum.

A pergunta não é mais “Deus existe?” — a pergunta é: “Ele ainda importa?”



O Lado Invisível da Queda: Como a Fé se Deteriora aos Poucos


Poucos abandonam a fé de um dia para o outro. A maioria escorrega para o ateísmo como quem desce uma ladeira suave — sem perceber.

E três forças silenciosas estão por trás dessa descida: as ideias que pensamos, as dores que sentimos e os desejos que alimentamos.



1. A Mente: Filosofia que Expulsa o Ser


Desde Descartes, o pensamento moderno trocou o chão firme da realidade (o ser) pelo espelho da subjetividade: “Penso, logo existo”.

Mas quando o pensar se torna a única porta da verdade, tudo o que está fora da minha consciência — inclusive Deus — passa a ser suspeito.


Assim, surgem:

O cientificismo, que reduz o homem a reações químicas e descarta o mistério e a alma.

O materialismo marxista, que vê Deus como instrumento de dominação.

O niilismo de Nietzsche, que enterra Deus e celebra o caos como liberdade.

O existencialismo ateu, que busca sentido sem um autor.


O resultado?

Deus deixa de ser uma presença e se torna uma hipótese incômoda.

A realidade já não é dom; é construção. E nesse novo mundo, não há lugar para um Criador.



2. O Coração: Feridas que Tornam Deus Impossível de Amar


Mas não são apenas ideias que afastam de Deus. São também as feridas que carregamos.

Quantos não recusam a fé porque conheceram apenas um “Deus” autoritário, cruel ou ausente?

Quantos se revoltaram com Deus ao enfrentar uma tragédia e não encontraram consolo?

Quantos cresceram em lares feridos, com figuras paternas distantes ou violentas — e projetam isso no Pai do Céu?


A dor não tratada transforma-se em aversão afetiva.

Muitos não rejeitam a existência de Deus — apenas rejeitam amar o Deus que lhes foi apresentado.



3. A Vontade: O Ego que Deseja Ser o Próprio Deus


Vivemos na era do “eu”.

A cultura grita: “Você é suficiente. Não precisa de ninguém. Viva como quiser.”

E então, quando surge a fé dizendo: “Há um Deus, e você deve se curvar diante Dele”, o homem moderno se esquiva, se irrita, se fecha.

Porque Deus impõe limites.

Porque Deus exige conversão.

Porque Deus nos lembra que não somos senhores de tudo.


Além disso, os escândalos religiosos — reais e dolorosos — são usados como justificativa para um afastamento ainda mais profundo.

Não raramente, a incoerência dos crentes é o pretexto perfeito para justificar a indiferença.



O Diagnóstico de Fabro: Não é Ódio — é Esquecimento


Cornelio Fabro nos alerta: o ateísmo moderno não é apenas uma negação.

É fruto de uma cultura que, por erro de ponto de partida, esqueceu o ser, adorou o pensar e se trancou na imanência.

Não há mais espaço para Deus… não porque Ele tenha desaparecido, mas porque nós perdemos a capacidade de reconhecê-Lo.



E Agora? A Missão Inadiável da Igreja


A Igreja — e cada cristão consciente — não pode apenas se lamentar.

É preciso reconstruir uma cultura enraizada na realidadeaberta à transcendência e sedenta por sentido.


E isso começa assim:


🔹 Resgatar a filosofia do ser: ensinar que a realidade existe antes do pensamento — e que Deus é mais real que nossas ideias.


🔹 Revelar o rosto misericordioso de Deus: não um tirano distante, mas um Pai que ama com ternura.


🔹 Viver com coerência e alegria: ser sinal de que crer não é loucura… é reencontro com a verdade, com o amor e com a esperança.



 Em tempos em que Deus parece calado, talvez o mundo esteja apenas… com fones de ouvido.


Retirar os fones exige coragem.

Mas do outro lado está uma Voz que nos chama pelo nome.

Não para nos aprisionar, mas para nos devolver o que esquecemos:

a Verdade, o Sentido e a Esperança.



Cornelio Fabro nos convida a esse retorno. E Deus também.


A Fé como Resposta à Voz de Deus e o Ateísmo como Ruptura com a Vocação Interior

Reflexão pastoral conclusiva sobre o ateísmo como fenômeno intelectual à luz de Gênesis 12,1-9; Salmo 32 e Mateus 7,1-5


A história de Abraão, narrada em Gênesis 12,1-9, não é apenas o início da história de um povo, mas o paradigma da resposta humana à iniciativa divina. Deus fala, e Abrão obedece. Deus convida, e Abrão rompe com o conhecido. Deus promete, e Abrão crê, mesmo sem ver. Esse é o movimento fundamental da fé: escutar, confiar, caminhar — mesmo quando tudo parece incerto.

Abraão não é conduzido por um sistema fechado de ideias, mas por uma voz interior que o arranca do comodismo da terra, da família, da tradição. Ao responder ao chamado, ele inaugura uma nova forma de relação com o Transcendente: a fé como caminho, como abandono confiante, como obediência amorosa. O Salmo 32 proclama essa confiança: “No Senhor esperamos confiantes, porque Ele é nosso auxílio e proteção”. A fé não é cegueira: é um outro tipo de visão — aquela que vê com o coração que escuta.

Mas é exatamente aí que o fenômeno do ateísmo moderno se distingue: ele não é apenas uma dúvida sobre Deus, mas muitas vezes um fechamento sistemático ao chamado interior que impele à transcendência. O ateísmo, especialmente em sua forma intelectual, não nasceu por ausência de sinais, mas por uma filosofia que começou a desconfiar de tudo — até mesmo da própria confiança. A partir de Descartes, o pensamento moderno trocou o ponto de partida: não mais a realidade, mas o eu; não mais o ser, mas a consciência; não mais Deus, mas o sujeito.

Essa inversão filosófica gerou o que Cornelio Fabro diagnosticou como a “lógica imanentista do ateísmo”: um sistema onde o homem, em nome da razão, encerra-se em si mesmo, e considera superstição qualquer apelo do além. Mas, ao contrário do gesto de Abraão, que se levanta e parte em direção a uma promessa, o ateu intelectual permanece na sua “terra”, na sua “família filosófica”, na sua “casa mental”, e diz: “Não saio, não creio, não obedeço”.

O Evangelho de Mateus 7,1-5 adverte sobre o perigo do julgamento — e isso também se aplica à crítica da fé. Quando a fé é julgada pelos olhos de um racionalismo autossuficiente, ela aparece como irracional, primitiva, ilusória. Mas isso é porque os olhos do coração foram cegados pela desconfiança, pela arrogância epistemológica, pelo orgulho intelectual. O ateísmo, nesse sentido, é muitas vezes fruto não de excesso de razão, mas de deficiência de escuta. A verdadeira sabedoria começa não com o julgamento, mas com a humildade de quem sabe que a verdade não está apenas dentro de si, mas que é preciso sair — como Abraão — para encontrá-la.

A fé autêntica, portanto, não se opõe à razão, mas exige a abertura da razão a algo maior que ela mesma. O problema do ateísmo moderno é que ele se tornou surdo à voz de Deus. E, como consequência, surdo também ao chamado da própria alma. Deixa de caminhar, deixa de confiar, deixa de esperar. Ao negar o Absoluto, esvazia o sentido do relativo. Ao matar Deus, fecha a porta para a esperança.

Assim, a crise da fé no mundo moderno não é apenas teológica, mas também existencial. A falta de fé é, muitas vezes, a falta de uma escuta profunda, a recusa de partir rumo ao desconhecido onde Deus já nos espera. A fé não é contrária à razão; é a razão levada ao seu ponto mais alto, onde se encontra com o Mistério que a ultrapassa.

Diante disso, a Igreja tem o dever de ser testemunha dessa escuta, desse partir, dessa confiança radical. Como filhos de Abraão, somos chamados a proclamar que há uma Terra Prometida — e ela começa quando ouvimos a voz de Deus, mesmo que silenciosa, dentro de nós.




Conclusão orientadora:

O ateísmo como fenômeno intelectual é, em muitos casos, uma escolha de permanecer. A fé, ao contrário, é a coragem de partir. Como Abraão, cada pessoa está diante de uma voz que chama. A verdadeira crise de fé é crise de escuta. E o caminho de volta começa não com argumentos, mas com a redescoberta do silêncio interior onde Deus ainda fala.




Bibliografia:

Educação, cultura e modernidade, 4ª Parte, capitulo 4; Miguel Fuentes

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