A pessoa humana e sua dignidade

 
 

Diferentemente dos animais, o homem possui, por essência, uma natureza racional. O conhecimento humano transcende as limitações dos sentidos e capta a constituição essencial de cada realidade, aquilo que cada coisa é. 


Sabemos por experiência que, a partir dos dados individuais sensíveis, alcançamos ideias ou conceitos universais, suscetíveis de serem aplicados a muitos indivíduos. Quando, por exemplo, dizemos “homem”, “cadeira”, “árvore”, tais conceitos são aplicáveis a muitos objetos individuais que não foram percebidos por nossos sentidos.


A universalidade própria do nosso conhecimento intelectual explica a espiritualidade da nossa alma, pois a atividade racional é independente de qualquer órgão corporal. Tal independência assegura à alma humana sua incorruptibilidade, apesar de ela formar um corpo passível de destruição. 


Se alma humana, por sua vez, não se destrói, com a morte do homem, ela subsiste ainda que separada do corpo; em outras palavras, é imortal


Essas afirmações, já formuladas por Aristóteles em seu tratado De Anima, foram constantemente reafirmaras pela Igreja ao longo da história: “Ninguém nunca proclamou tão alta e constantemente a simplicidade, a espiritualidade e a imortalidade da alma como a Igreja Católica, assim também ninguém como ela defendeu tão firmemente a liberdade. A Igreja sempre ensinou essas duas realidades e as defende como dogma de fé.” (Leão XIII, Encíclica Libertas, n. 5). 


A capacidade intelectual do Homem constitui sua essência; isso comumente se exprime ao se definir o ser humano como “animal racional”. O homem pode conhecer, mediante sua inteligência, a totalidade do real; o seu conhecimento tem por objeto a essência das coisas, e, não obstante as limitações e riscos próprios da condição humana, ele alcança a verdade. 


A natural sede da verdade é a raiz do progresso humano. A aspiração em conhecer todas as coisas e obter um conhecimento verdadeiro delas tem uma dupla dimensão: teórica e prática. Pela primeira, o homem contempla, considera todo o real, para captá-lo tal como é; essa atividade teórica é a base dos conhecimentos científicos. Pela segunda, o homem conhece as coisas a fim de dirigir sua ação.


PESSOA E LIBERDADE 


Ao se aplicar a capacidade de conhecimento ao plano de ação, surge outra propriedade essencial do ser humano: a condição de ser livre. Em que consiste essa liberdade? Alguém é livre quando é senhor de seus atos, é causa de seus atos. O domínio dos próprios atos, ou liberdade, é uma qualidade dos atos humanos.


Através dos seus atos voluntários, o homem precisa realizar o bem, o que é objeto da própria vontade. Para que um seja voluntário, deve o sujeito atuar com conhecimento do fim e livremente.


A liberdade humana tem por raiz a inteligência. Livre diante de todos os bens particulares que conhece, podendo, assim, escolher entre eles os mais convenientes para alcançar sua perfeição ou plenitude pessoal. Só Deus contemplado “face a face” na visão beatífica pode saciar o desejo de perfeição da pessoa; em relação aos bens criados, o homem é livre.


As coisas existentes são meios para a realização do indivíduo. Ao escolher entre elas, o homem “escolhe-se a si mesmo”, ditando seu próprio destino. É claro que essa liberdade não é absoluta, como apregoou erroneamente o liberalismo; a liberdade humana está condicionada por múltiplos fatores (hereditariedade, temperamento, educação, meio social). 


Nenhuma pessoa, portanto, é livre para fazer o que quiser, pois sua liberdade regula-se por bens e normas objetivos, que são descobertos pela razão. 


Das propriedades assinaladas, (razão e liberdade) surge uma terceira: a responsabilidade. O homem é responsável pelos seus atos.


Uma pessoa madura, adulta, pode e deve responder pelos efeitos de suas decisões diárias, pelos valores que realizou ou deixou de realizar, pelo sentido que deu à sua vida inteira.


A DIGNIDADE PESSOAL


Podemos agora compreender em que consiste a dignidade pessoal. Digno é aquilo que tem valor em si mesmo e por si mesmo. “O homem atinge esta dignidade (humana) quando, liberto de todo cativeiro das paixões, tende para o seu fim pela livre escolha do bem e procura eficazmente, com diligente aplicação, os meios adequados para isso (Vaticano II, Gaudium et Spes, n. 17). 


A raiz última da dignidade humana reside no fato de ser imago Dei, imagem de Deus, chamado por Ele a participar da plenitude de sua glória: “A razão mais sublime da dignidade humana consiste na vocação do Homem à união com Deus” (Gaudium et Spes, n. 19). 



Fonte literária:


A Ordem Natural; Carlos Alberto Sacheri



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