Ricos em Deus

 




Evangelho: Lucas 11,1-13

“O Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem”.


Somente o Senhor pode satisfazer o nosso coração. A nossa vida é curta e bem limitada no tempo; é necessário aproveitar as coisas nobres da terra para ganhar o céu. É preciso aproveitar o tempo na presença de Deus. Requer desprendimento.


A vida do homem sobre a terra é breve, e a maior dela se passa entre dores e fadigas; tudo se dissipa como o vento e mal deixa rastro atrás de si. Perante esse vazio e falta de sentido e da inconsistência, Deus é a Rocha:  “Venham, vamos cantar ao Senhor! Vamos aclamar a Rocha de nossa salvação. Vamos chegar diante dele com ações de graças e cantar a ele salmos de louvor.” (Salmos‬ ‭95:1-2).


No entanto, o coração do homem inclina-se facilmente a procurar as coisas daqui de baixo, tende a apegar-se a elas como se fosse a única coisa que conta e a esquecer-se do que realmente importa.


Um dos sintomas mais graves da crise que a igreja enfrenta em nosso tempo é o abandono da oração. Havia rotinas e gestos na vida pessoal, familiar e comunitária, que sustentavam a vida da fé, e criavam um ambiente propício ao relacionamento com Deus e de uns com os outros. 


A falta de abertura à transcendência e a submissão a determinados meios que visam apenas atrair e entreter, fizeram com que as práticas ancestrais fossem desaparecendo e, com esta perda, também os nossos pequenos hábitos de oração deixaram de fazer parte da nossa vida.


Podemos perguntar-nos hoje onde está o nosso coração, em que se ocupa, com o que se preocupa, com que se alegra, com que se entristece, sabendo que nosso destino definitivo é o Céu, e que, se não o alcançarmos, nada terá valido a pena.

Precisamos admitir que um dos elementos essenciais da vida cristã é a oração. Os que fazem a experiência da proximidade de Deus, são pessoas de oração. Para orar, é preciso sentir Deus próximo, perceber que Ele é alguém presente, com quem se pode estabelecer uma relação, a quem se podem colocar questões, perguntar, dialogar… 


O livro do Genesis (18:20-32) dá um belo exemplo deste relacionamento com Deus quando apresenta Abraão a interceder por Sodoma e Gomorra. E quando Jesus ensina os discípulos a dirigir-se a Deus chamando-o de Pai (Lucas 11,1-13) significa que a nossa relação com Deus é tão intima que se situa no âmbito das mais estreitas relações familiares…


1. A imagem de Deus


– Muitos imaginam Deus e, por vezes, também se dirigem Ele usando a chamada “oração mercantil”, que pretende obter de Deus determinadas concessões oferecendo coisas em troca para alcançar benefícios…


– A própria Bíblia também nos transmite diversas imagens e, a partir de algumas, há gente que vai fazendo as suas representações de Deus: justiceiro, vingativo, com traços humanos (antropomorfismos) e com todas as consequências que daí se podem tirar…


– Mas, a imagem mais completa de Deus na Bíblia é a que nos apresenta Deus a comunicar com o seu povo, a falar com Moisés como quando um homem fala com o seu amigo (Ex 33,11-13), a dialogar com Abrão (Gn 18) à maneira de uma conversa entre amigos, a falar com toda a humanidade em Jesus como um Deus que é amor, que ama curando, perdoando, que dá de comer aos famintos, que acolhe as crianças, que chora, que tem compaixão das multidões…


– Com a manifestação de Deus em Jesus acabam-se todos os mitos, todas as representações de seres superiores que jogam arbitrariamente com a humanidade… O rosto de Deus em Jesus acaba com todas as superstições e manipulações…



2. Deus é Pai


– Os discípulos de Jesus, como todos os seus contemporâneos, eram pessoas de oração: fixavam orações de memória, que repetiam em determinadas horas do dia, participavam nas celebrações familiares e na sinagoga, dirigiam-se ao templo de Jerusalém nas principais festividades…


– Mas havia novidades em Jesus que levam estes discípulos a perguntar sobre como haviam de orar… E o dado mais relevante é o título que Jesus propõe para se dirigir a Deus: Abba, Pai… É este nome que dá à oração de Jesus uma nova tonalidade e um novo conteúdo…


– É com Jesus que nos podemos dirigir a Deus chamando-o ‘Pai’: com Ele é que se estabelece a relação de amor e de comunhão com Deus… E porquê? Porque em Jesus nos tornamos filhos adotivos (Rm 8,15-17)…


– Chamar a Deus, Pai, implica fundamentalmente duas coisas: que a Deus nos devemos dirigir com proximidade, ternura e carinho; que todos somos irmãos e temos compromissos que nos envolvem a todos: de fraternidade e de responsabilidade comum…



3. Orar sempre


– Sabendo que Deus está sempre presente, que Ele nos acompanha e a toda a humanidade, a oração é uma exigência da vida cristã porque nos faz tomar consciência das nossas fragilidades, das nossas dificuldades e dos nossos problemas…


– A oração leva-nos a colocar a nossa vida nas “mãos de Deus”, não para que Ele resolva todos os nossos problemas mas para que nós os encaremos com Ele, com uma grande confiança, pedindo que se faça a sua vontade…


– Ir a casa de um amigo a horas inoportunas, confiando que ele nos ajude a resolver um problema, é já uma boa base de apoio porque acreditamos nas regras da hospitalidade. No entanto, pode ser sempre necessário insistir, sobretudo quando se parte da certeza de que Deus escuta e acolhe todos os que Lhe suplicam com confiança…


– Em três verbos Jesus caracteriza a atitude daquele que se dirige a Deus para ser atendido: pedir, procurar, bater ou chamar. Quem pede é porque precisa de alguma coisa e se reconhece necessitado; procurar implica colocar-se em movimento, deixar uma atitude passiva de aguardar que os outros apresentem a solução; bate à porta ou chama quem se dá conta das contradições e dos problemas do mundo actual que requerem uma intervenção de Deus na nossa história…


– A oração deve ter como ponto de partida a consciência do dom do Espírito, da graça de Deus… A partir daqui, ela pode expressar-se por palavras, no silêncio, em comunidade ou individualmente; pode ser de louvor e de admiração ou de súplica insistente…


– Num mundo dominado pela técnica e pela economia, a oração continua a fazer sentido e é eficaz… É ela que nos permite sair dos bloqueios que nos são impostos, ganhar confiança e experimentar o silêncio e a paz…


Verdadeiramente, é curto o nosso tempo para amar, para dar e receber, para desfrutar. E iremos perder a especial oportunidade de nos tornarmos ricos em Deus ao deixar que o coração se apegue a meia dúzia de bugigangas da terra, que nada valem?

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