Não somos tão livres quanto pensamos

 




O documentário *Sociedade do Cansaço*, inspirado na obra do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, explora como a sociedade contemporânea, sob o paradigma neoliberal, impõe um novo modelo de dominação: a **autoexploração voluntária**. Diferente das sociedades disciplinares descritas por Foucault, onde o controle era exercido externamente por instituições e regras rígidas, vivemos hoje em uma era de **hiperperformance e autoexigência**, na qual o indivíduo se sente livre, mas, na realidade, tornou-se **prisioneiro de si mesmo**.  


### **A Ilusão da Liberdade**  


Han argumenta que **“não somos tão livres quanto pensamos”** porque a sociedade moderna substituiu os mecanismos tradicionais de repressão por uma forma mais sutil e eficiente de controle: a **positividade do desempenho**. No passado, havia um "dever fazer"; hoje, a pressão vem do "poder fazer". Essa mudança leva o indivíduo a se cobrar incessantemente, transformando-se simultaneamente em explorador e explorado.  


A busca incessante por produtividade, sucesso e reconhecimento leva ao esgotamento físico e mental. O indivíduo acredita estar no comando de sua vida, mas, na verdade, está **aprisionado em uma lógica de mercado que exige que ele se reinvente constantemente, sem nunca estar satisfeito**. O excesso de positividade – a ideia de que "tudo é possível se nos esforçarmos o suficiente" – gera frustração e adoecimento, resultando em patologias como depressão, burnout e transtornos de ansiedade.  



### **Liberdade ou Servidão Voluntária?**  


Ao contrário da repressão tradicional, que era imposta de fora para dentro, a sociedade do cansaço opera através de uma **servidão voluntária**, onde o indivíduo se sente responsável por seu próprio sucesso ou fracasso. O medo da inadequação, da improdutividade e do fracasso substitui a coerção externa, criando uma **prisão invisível**. A liberdade, portanto, se torna ilusória: **não somos oprimidos por um tirano visível, mas por uma lógica interna de hipercompetição e autoexploração**.  



Há uma pressão incessante por produtividade e autoaperfeiçoamento, levando os indivíduos a um estado de exaustão física e mental. Embora acreditem estar no controle de suas vidas, as pessoas tornam-se prisioneiras de uma lógica que exige reinvenção constante e nunca permite satisfação plena.



**Impacto nas Doenças Psíquicas**


Essa dinâmica tem contribuído para o aumento significativo de transtornos mentais. Em 2019, quase um bilhão de pessoas, incluindo 14% dos adolescentes globalmente, viviam com algum transtorno mental. O suicídio foi responsável por mais de uma em cada 100 mortes, com 58% dos casos ocorrendo antes dos 50 anos de idade. Os transtornos mentais são a principal causa de incapacidade, representando um em cada seis anos vividos com incapacidade. 


No Brasil, as taxas de suicídio aumentaram 42% entre 2010 e 2021, passando de 5,2 para 7,5 suicídios por 100 mil habitantes. O incremento mais pronunciado ocorreu entre 2020 e 2021, com um aumento de 11,4%. 


Em termos de internações, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou, ao longo de 2023, 11.502 internações relacionadas a lesões autoprovocadas, uma média de 31 casos por dia. Esse número representa um aumento de mais de 25% em relação a 2014. 



**Impacto nas Famílias**


A busca incessante por produtividade e sucesso não afeta apenas os indivíduos, mas também tem repercussões significativas nas estruturas familiares. O esgotamento físico e mental pode levar a conflitos conjugais, aumento nas taxas de divórcio e casos de violência doméstica. A insatisfação constante e a sensação de inadequação podem resultar em irritabilidade, distanciamento emocional e incapacidade de lidar com os desafios relacionais, fragilizando os laços familiares.


Além disso, a pressão para manter um desempenho elevado no trabalho e em outras áreas da vida pode reduzir o tempo e a energia disponíveis para interações familiares de qualidade, contribuindo para o enfraquecimento das relações e o aumento da sensação de isolamento entre os membros da família.


Em suma, a lógica de mercado que exige reinvenção constante e promove a insatisfação perpétua não apenas aprisiona o indivíduo em um ciclo de exaustão, mas também desestabiliza as estruturas familiares, essenciais para o bem-estar coletivo. 



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A sociedade contemporânea apresenta um cenário onde o indivíduo é constantemente impelido a ultrapassar seus próprios limites. A lógica do hiperdesempenho e da autoexploração substituiu o modelo disciplinar tradicional, tornando cada sujeito seu próprio patrão e algoz. O resultado desse paradigma é um estado contínuo de cansaço, ansiedade e exaustão emocional, pois a fronteira entre trabalho e vida pessoal se dissolve, e a liberdade se converte em obrigação disfarçada. Diante desse contexto, surge a necessidade urgente de uma Educação para a Maturidade, capaz de resgatar o ser humano de uma existência fragmentada e restituí-lo à sua integralidade.  


A verdadeira educação não pode se limitar à transmissão de conhecimentos técnicos ou à capacitação profissional. Ela deve abarcar todas as dimensões do ser humano – física, intelectual, moral, social e espiritual – para conduzi-lo ao amadurecimento. O homem verdadeiramente formado não é aquele que simplesmente acumula informações ou habilidades, mas aquele que deseja, compreende e escolhe o bem de maneira livre e responsável. A maturidade consiste na capacidade de distinguir o essencial do acessório, agir não por mera obrigação, mas por convicção, e assumir as consequências de suas escolhas de forma íntegra e consciente.  



A maturidade humana pode ser compreendida como a capacidade de querer o bem de maneira consciente, livre e responsável. Esse tripé é essencial para que um indivíduo não apenas conheça e reconheça a verdade e a bondade, mas também escolha e se comprometa com elas, não por imposição externa, mas por uma adesão voluntária e convicta.


Querer conscientemente o bem significa ser capaz de distinguir entre o que é essencial e humano daquilo que é acidental e transitório. A verdade do bem deve ser captada, compreendida e valorizada. Em uma cultura dominada pelo efêmero e pelo utilitarismo, onde tudo se torna relativo e descartável, a falta dessa consciência gera uma sociedade instável, onde as decisões são tomadas com base apenas em impulsos momentâneos e interesses superficiais.


Por outro lado, querer livremente o bem implica uma escolha ativa. O homem verdadeiramente maduro não pratica o bem por obrigação ou por medo da punição, mas porque o ama. Ele não age de forma reativa ou meramente condicionada pelas normas sociais, mas por uma convicção interna. Essa liberdade bem ordenada é um sinal de maturidade moral e emocional, pois mostra que a pessoa não está sujeita a caprichos passageiros, mas sim guiada por uma vontade firme e esclarecida.


Outra dimensão da maturidade é do querer a responsabilidade. Querer responsavelmente o bem significa não apenas reconhecê-lo e escolhê-lo, mas também assumir suas consequências. Em uma época onde prevalece a cultura do descarte e da fuga de compromissos, a responsabilidade aparece como um traço distintivo do homem verdadeiramente formado. Isso se manifesta, por exemplo, no modo como um pai se dedica à educação dos filhos, como um profissional se compromete com a ética em seu trabalho, ou como um cidadão assume sua participação ativa na construção de uma sociedade mais justa.


No entanto, essa formação não acontece de maneira espontânea ou automática. É necessário um processo educativo que desenvolva virtudes, pois a virtude é a perfeição do ser racional. Aristóteles já afirmava que a felicidade humana está intrinsecamente ligada ao cultivo das virtudes, pois é através delas que o homem atinge sua plenitude. Santo Tomás de Aquino complementa essa visão ao afirmar que a virtude moral não apenas regula os afetos e paixões, mas também aperfeiçoa a vontade, tornando-a reta e firme no bem.


O problema da sociedade atual é que se perdeu a noção de normalidade baseada na virtude. A normalidade passou a ser definida pelo que a maioria faz em determinado tempo e espaço, e não mais pelo que está em conformidade com a natureza humana. Aceita-se como "normal" a dissolução das famílias, a imaturidade afetiva, a busca desenfreada pelo prazer imediato, o descompromisso com valores permanentes. No entanto, a verdadeira normalidade não pode ser relativizada ao sabor das modas e tendências. O normal, no sentido mais profundo, é aquilo que é estável, aquilo que está em conformidade com a natureza do ser humano e que o conduz à realização plena.


Ser virtuoso, portanto, não é apenas um ideal abstrato, mas uma necessidade para que o homem seja realmente feliz. O indivíduo que não cultiva virtudes pode até praticar ocasionalmente o bem, mas sem consistência, pois lhe falta a disposição interior de fazê-lo de maneira habitual e desejada. A educação para a virtude não consiste apenas em ensinar normas morais, mas em formar o caráter, em desenvolver hábitos bons que se tornam parte da identidade da pessoa.


Além disso, é fundamental compreender que a graça não elimina a natureza, mas a aperfeiçoa. Santo Tomás de Aquino enfatiza que Deus age sobre o homem respeitando sua estrutura natural, de modo que não se pode esperar um milagre onde não há esforço. A educação exige trabalho, disciplina, empenho contínuo. Não se constrói um ser humano maduro sem esforço, sem renúncia, sem perseverança.


Na sociedade contemporânea, onde a exaustão e a dispersão são características marcantes, formar homens e mulheres capazes de viver de maneira consciente, livre e responsável é um desafio urgente. Isso significa que a educação deve ir além da mera transmissão de conteúdos e proporcionar uma formação integral, que envolva a razão, a vontade, a afetividade e a dimensão espiritual.


Cristo é o modelo supremo desse processo educativo. Ele foi, em tudo, o homem perfeito: reto no uso da inteligência, firme na vontade, equilibrado nas emoções, prudente, justo, forte, temperante. Ele soube viver em plenitude sua missão, unindo o natural e o sobrenatural, o humano e o divino. Seu exemplo nos mostra que a verdadeira formação não pode dissociar o externo do interno, a regra moral da transformação interior, a prática cotidiana da vivência espiritual.


A educação para a maturidade é, portanto, um chamado à grandeza. Em um mundo cada vez mais fragmentado e confuso, onde a superficialidade domina, há uma necessidade urgente de resgatar a formação do homem como um todo. Isso significa ensinar não apenas conhecimentos técnicos, mas desenvolver virtudes, fortalecer o caráter e despertar no ser humano o desejo de viver de acordo com a verdade e o bem. Afinal, um homem verdadeiramente formado não é aquele que simplesmente acumula informações ou se adapta às exigências do mercado, mas aquele que quer conscientemente, livremente e responsavelmente o bem, tornando-se um ser humano pleno e realizado.



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No entanto, a sociedade do desempenho afasta-se desse ideal ao impor um ritmo de vida acelerado, onde a introspecção e a reflexão são suprimidas pela necessidade constante de produzir. A falta de momentos de pausa e contemplação impede a formação do caráter, levando à superficialidade emocional e ao esvaziamento da virtude. O hedonismo e a busca incessante por prazeres instantâneos substituem o esforço disciplinado necessário para a prática da virtude, e a maturidade moral dá lugar a uma cultura da imaturidade, na qual impera a gratificação imediata e a aversão ao sacrifício.  


Aristóteles e Santo Tomás de Aquino sempre afirmaram que a virtude é o caminho para a realização plena do ser humano. No entanto, em um mundo onde ser "normal" significa seguir as tendências passageiras e onde o bem-estar é confundido com conforto imediato, a formação do caráter se torna cada vez mais rara. A felicidade não se encontra na mera acumulação de conquistas externas, mas na ordenação interna da alma, que só se alcança por meio da educação virtuosa. O domínio das paixões, o cultivo da temperança, da justiça, da prudência e da fortaleza são elementos essenciais para que o homem possa se tornar verdadeiramente livre e plenamente realizado.  


Outro aspecto crucial que a sociedade contemporânea negligencia é a dimensão espiritual da existência. Byung-Chul Han destaca que, na era do hiperdesempenho, o silêncio e a contemplação foram substituídos pela hiperconectividade e pela necessidade constante de estar ativo. No entanto, sem a interioridade, sem a reflexão e sem o espaço para a vida espiritual, o ser humano se vê reduzido a um executor de tarefas, incapaz de compreender o sentido mais profundo de sua existência. A educação que forma para a maturidade precisa, portanto, restaurar essa dimensão perdida, reconhecendo que a graça não destrói a natureza humana, mas a aperfeiçoa.  


Cristo, como modelo do homem perfeito, exemplificou essa harmonia entre razão, fé, ação e contemplação. Foi o filho perfeito, o cidadão perfeito, o mestre perfeito, porque integrou todas as suas faculdades em um único propósito: a busca da verdade e do bem. A formação humana não pode separar o exterior do interior, o natural do sobrenatural, pois tudo deve estar ordenado ao serviço de Deus e da verdade.  


Diante disso, a Educação para a Maturidade se apresenta como um caminho necessário para resgatar o homem da exaustão e da alienação impostas pela sociedade do cansaço. O verdadeiro amadurecimento não se dá pela simples adaptação às exigências do mercado ou pela busca incessante de produtividade, mas pela formação de um caráter sólido, de uma vontade esclarecida e de um coração orientado para o bem. Um indivíduo verdadeiramente maduro não é aquele que apenas executa suas funções com eficiência, mas aquele que compreende a razão de suas escolhas, age com liberdade interior e assume sua responsabilidade perante si mesmo, a sociedade e Deus.  



### **Conclusão**  



A sociedade contemporânea se apresenta como um espaço de liberdade ilimitada, mas essa liberdade é, muitas vezes, uma armadilha. O indivíduo se sente autônomo, mas está cada vez mais preso a exigências externas que ele internalizou. O verdadeiro desafio, segundo Han, não é apenas reconhecer essa nova forma de dominação, mas encontrar formas de resistência que nos permitam **reaprender a viver**, valorizando o ócio, o descanso e a contemplação como formas de resgatar nossa verdadeira liberdade.


Somente uma educação integral que desenvolva a consciência do bem, a liberdade de escolha e a responsabilidade moral poderá oferecer uma alternativa ao esgotamento que caracteriza o mundo contemporâneo. A formação do homem maduro não é um ideal abstrato, mas uma necessidade urgente para que ele possa viver de forma plena e realizada. Afinal, a verdadeira liberdade não consiste na ausência de limites, mas na capacidade de escolher, amar e agir pelo bem de forma consciente e convicta.

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