Espírito Santo – o defensor que protege, o consolador que anima e o mestre que ensina e orienta para a plena verdade
Há uma força na montanha que faz estremecer os corações, um vento vindo do céu que sopra onde quer e arrasta multidões, um fogo que queima e purifica o olhar para ver o céu. É o defensor dos fracos, o advogado dos humildes, a alegria dos tristes. É o amor ardente, o pai dos pobres, o favor clemente, o amparo na noite. É o Espírito consolador que faz falar os mudos e ouvir os surdos.
Seguindo nosso precioso calendário litúrgico, estamos no Ano B, então a Igreja nos propõe a seguinte reflexão:
LEITURA I At 2, 1-11
Jerusalém é o lugar da manifestação do Espírito Santo. A promessa de Jesus cumpre-se no grupo dos doze que, ao receber o Espírito Santo em forma de línguas de fogo, saem para fora e dão testemunho de Jesus diante da multidão.
SALMOS: Sl 103(104)
Enviai o vosso Espírito, Senhor, / e da terra toda a face renovai.
O salmo 103 é um hino de louvor ao Senhor, criador, por todas as suas criaturas. O salmista convida-se a si mesmo a bendizer o Senhor que está presente e concede o seu alento a todas as criaturas, pois sem o Espírito do Senhor nada poderia existir.
LEITURA II Gal 5, 16-25
A luta interior que o homem experimenta entre a carne e o Espírito, já foi vencida por Cristo na cruz. Ali, na morte de Cristo, todos crucificámos a violência das nossas paixões para vivermos a liberdade do Espírito que desperta em nós a caridade, a paz e a alegria de vivermos segundo o mesmo Espírito.
EVANGELHO Jo 15, 26-27; 16, 12-15
O Paráclito é o defensor que o Senhor Jesus envia aos seus discípulos para lhes ensinar toda a verdade a fim de que, pelo seu testemunho, o mundo, que não conhece nem vê, chegue a crer em Jesus.
Os Atos dos Apóstolos narram um fato curioso: chegando Paulo em Éfeso, encontrou alguns discípulos e disse-lhes: Recebestes o Espírito Santo, quando abraçastes a fé? Eles responderam: Não, nem sequer ouvimos dizer que há um Espírito Santo! (At 19,1ss).
Se fizéssemos hoje a mesma pergunta receberíamos de muitos cristãos uma resposta semelhante; sabem, sim, que existe um Espírito Santo, mas é tudo o que sabem dele; de resto, ignoram quem é, na realidade, o Espírito Santo e o que representa para sua vida.
Hoje se nos oferece uma oportunidade única ao longo do ano litúrgico para fazer essa descoberta essencial para nossa fé. Por isso nos propomos, com o auxílio do mesmo Espírito Santo, percorrer a história de salvação procurando sua presença meiga e silenciosa.
Afirmou-se com palavras terríveis, mas verdadeiras, que a violência é a alavanca da história humana, porque não há mudança profunda que, de fato, não tenha sido marcada por guerras, revoluções e sangue. Não, porém, em outra história, a da salvação, que tem por protagonista Deus: sua alavanca é o Espírito Santo, isto é, a força e a ternura do amor.
Em cada novo início, em cada salto de qualidade na efetivação do plano divino da salvação, há uma intervenção especial do Espírito de Deus. Os Padres da Igreja (especialmente os gregos) tinham captado perfeitamente estes pontos luminosos que percorrem a Bíblia, como uma espécie de fio vermelho, até tornaram-se luz meridiana no dia de Pentecostes. “Pensas na criação?” – pergunta São Basílio; “Ela foi obra do Espírito Santo que consolidava e enfeitava os céus. Pensas na vinda de Cristo? O Espírito Santo a preparou e depois, na plenitude dos tempos, a realizou descendo em Maria. Pensas na formação da Igreja? Ela é obra do Espírito Santo. Pensas na parusia? O Espírito Santo não estará ausente nem então, quando os mortos surgirem da terra e revelar-se-à do céu o nosso Salvador (São Basílio, De Spiritu Sancto, 16-19).
Procuremos aprofundar esta grandiosa visão, fazendo-a deslizar lentamente diante de nossos olhos. Jesus, na manhã da Páscoa, recorria à Escritura para explicar aos discípulos tudo o que dele se achava dito em todas as Escrituras (Lc 24,27); nós, no dia de Pentecostes, vamos reabrir a mesma Escritura para descobrir nela tudo o que se refere ao Espírito Santo.
Toda a vida de Jesus – não apenas seu início – se desenrola sob o sinal do Espírito Santo; este é o que guia todas as suas escolhas e realiza os prodígios com os doentes, os oprimidos pelo demônio, os pecadores. No batismo do Jordão ele é consagrado com o Espírito Santo e com poder (At 10,38) para levar a Boa-Nova aos pobres. Jesus é conduzido pelo Espírito Santo e, ao mesmo tempo, o revela. Por suas palavras, o Espírito começa a adquirir traços definidos; não é só uma força de Deus, mas também uma “pessoa” em Deus; Jesus fala que o Espírito Santo será enviado aos discípulos, que condenará o mundo, que guiará os discípulos à plena verdade, que dará testemunho dele, que falará neles (Jo 14,16). Paulo acrescenta que rezará neles com gemidos inefáveis (Rm 8,26).
Concluída sua obra terrena, Jesus é glorificado à direita do Pai. Sobre a terra deixou sua Igreja; são onze apóstolos e algumas dezenas de discípulos; vivem escondidos e amedrontados, sem saber o que devem fazer e o que significa a ordem de ir ao mundo todo e pregar o Evangelho. É ainda, por assim dizer, um corpo inanimado e inerte, como aquele do primeiro homem, quando não tinha ainda insuflado nele o espírito de vida.
Mais eis que, de repente, no dia de Pentecostes, se renova o prodígio que marcou todos os grandes inícios da história, isto é, o nascimento do mundo, do homem e de Cristo (a analogia com a criação do primeiro homem é visível na narração de João: sobrou sobre eles dizendo-lhes: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). Enquanto estavam reunidos com Maria no cenáculo, irrompeu sobre eles o Espírito Santo e o “pequeno rebanho” tornou-se a Igreja, isto é, corpo de Cristo, animado pela mesma realidade que, na Encarnação, tinha animado sua Cabeça. Pentecostes é o natal da Igreja, como o natal tinha sido o pentecostes de Jesus. A presença de Maria no cenáculo serve exatamente para lembrar a ligação entre o natal de Jesus e o natal da Igreja; ela, a mãe de Jesus, se torna também “mãe da Igreja”. Realizava-se enfim aquela realidade nova anunciada havia muito tempo por Deus aos homens (cf Is 43,19). Por isso a liturgia de Pentecostes, no salmo responsorial, aplica ao evento dominical aquelas vibrantes palavras que tinham servido para cantar o prodígio da criação: Enviais o vosso Espírito e da terra toda a face renovais.
O sinal mais visível de que algo de novo acontecera na terra foi a unificação das línguas humanas: os apóstolos, tendo saído, falam numa misteriosa língua nova; ou melhor, falam com novo poder sua língua habitual, de modo que todos os que os escutam – partos, elamitas, gregos ou romanos – os entendem como se falassem sua língua; e todos ficam maravilhados. É um sinal que fez se reencontrar a unidade do gênero humano. Pentecostes é o antibabel. Os homens rebelando-se contra Deus haviam acabado por não se compreender entre eles; a terra tornara-se “o canteiro que nos torna ferozes” (Dante Alighieri). Agora a dissonância é eliminada; “os povos”- diz Santo Irineu – “formam um coro admirável para celebrar nas várias línguas o louvor de Deus, enquanto o Espírito reconduz à unidade as tribos dispersas e oferece ao Pai as primícias de todos os povos” (Adversus Haereses III, 17, 2).
Na Igreja, os homens devem se descobrir irmãos, devem poder de novo se comunicar entre eles com uma mesma língua que é a linguagem do amor ensinada pelo Espírito Santo; ou melhor: “impressa nos corações” pelo Espírito Santo (Rm 5,5). O Espírito do Senhor encheu o universo. Ele mantém unidas todas as coisas e conhece todas as línguas.
Como se desenvolve a linguagem de amor? Na carta aos Gálatas (5, 16-25), Paulo exorta os cristãos a vencer o confronto permanente entre a carne e o Espírito, dizendo-lhes “caminhai no Espírito, e não realizeis os apetites carnais”. Carne e Espírito estão “em conflito”, as obras do Espírito brotam do coração em paz e as coisas da carne agem segundo uma consciência pesada. Aquele que faz o bem vive em paz, mas aquele que pratica o mal tem dificuldade em viver em paz consigo e com os outros.
É necessária uma aprendizagem para vencer a violência própria da carne, do animal que habita em nós, e também aprender os novos gestos do homem que vive segundo o Espírito. Cristo já venceu as obras da carne com as obras do Espírito. Nele não se encontrou nada de semelhante ao que Paulo enumera como obras da carne. Nele venceu sempre o dinamismo do Espírito que é “amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança”.
Aquele que pertence a Cristo já purificou a consciência na cruz de Cristo, na qual se crucificou a si mesmo para o pecado a fim de viver e caminhar segundo o Espírito.
Subjacente ao texto do evangelho está a certeza de Jesus quanto ao futuro dos apóstolos depois da sua partida. Ele sabe que, do mesmo modo que não o aceitaram a ele não vão aceitar o testemunho daqueles que falam em seu nome. Do mesmo modo que julgam cumprir a lei ao matar Jesus, porque ele se fez Deus, vão querer dar a morte aos discípulos por anunciarem o nome daquele que foi morto por blasfemia. É por isso que Jesus lhes diz, que “o mundo não pode receber, porque não o vê (Espírito da verdade) nem o conhece; vós é que o conheceis, porque permanece junto de vós e está em vós” (Jo 14,17) e ainda, “dei-vos a conhecer estas coisas para não vos perturbardes” (Jo 16,1).
O momento é dramático e Jesus sabe que não podem estar sós aqueles que vão ficar no mundo a dar testemunho do seu nome. Enquanto esteve com eles, Jesus protegeu-os do mundo como pode ler-se no evangelho de João, “quando Eu estava com eles, guardava-os em teu nome” (Jo 11,12).
Mas agora, que ele vai partir necessitam de alguém junto deles, por isso, promete o Espírito, o Paráclito, o defensor que vem do Pai e é enviado por Jesus, aquele que estará com eles e “dará testemunho”. É o Espírito da verdade, que o mundo não conhece, mas eles conhecem, aquele que “há de guiar-vos para a Verdade completa” porque falará do que tiver recebido de Jesus e do Pai. Os discípulos recebem a verdade do Espírito para serem no mundo testemunhas de Jesus, a fim de que o mundo que não vê e não conhece, creia.
Termina com a celebração do Pentecostes o tempo Pascal, durante o qual, a atenção da liturgia esteve centrada no mistério Pascal de Jesus, a sua paixão, morte e sobretudo a ressurreição. O Pentecostes é o ponto final deste mistério, completando-se, com a descida do Espírito Santo, o ciclo do mistério salvífico realizado por Jesus a nosso favor.
“Sereis batizados no Espírito Santo”, são estas as palavras da promessa de Jesus, que escutamos na semana anterior. Hoje estas palavras têm pleno cumprimento como narra o livro dos Atos dos apóstolos “estavam todos reunidos no mesmo lugar” quando “subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento” e “viram aparecer uma espécie de línguas de fogo”, no final “todos ficaram cheios do Espírito Santo”. Foi o dia do batismo dos apóstolos e de cerca de cento e vinte pessoas reunidas no mesmo lugar para a oração do dia.
Cumpre-se também o mandato do Senhor aos discípulos quando lhes recorda que o batismo é para a missão “recebereis a força do Espírito Santo… e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra”. No mesmo instante, conta Lucas, o mundo inteiro ficou diante da porta da “casa onde se encontravam”. Eram homens e mulheres “procedentes de todas as nações que há debaixo do céu”.
Tem início aqui a vida e a missão da Igreja que leva o evangelho a toda a parte e faz com que chegue até nós pelas mãos de tantos homens e mulheres que se deixam animar pelo Espírito Santo ao escutarem o testemunho real de outros, também eles cheios do mesmo Espírito.
A liturgia obriga-nos a olhar para o Espírito Santo, o dom de Deus que recebemos em muitas circunstâncias da vida, particularmente nos sacramentos do Batismo e da Confirmação. Sentimos que também nós somos batizados no Espírito Santo, como os Apóstolos, sempre que celebramos o dia de Pentecostes e sempre que na Igreja alguém recebe estes sacramentos ou quando nos reunimos para a Eucaristia.
Sentimos que também hoje, como naquele dia, a Palavra de Deus, acreditada, anunciada, celebrada e vivida é entendida por todos os que se deixam interpelar por ela. Efetivamente, hoje ressoa por toda a parte, da boca de apóstolos de todas as idades e de todas as proveniências, o evangelho de Jesus, que proclama a novidade da sua ressurreição, o seu compromisso de ficar conosco todos os dias até ao fim dos tempos e de continuar a assistir-nos com os dons do Espírito Santo, o defensor que protege, o consolador que anima e o mestre que ensina e orienta para a verdade total. Hoje, como naquele dia, homens e mulheres em qualquer parte do mundo, podem escutar na sua própria língua as maravilhas que Deus.
Ao celebrar o Pentecostes, sentimos que o Espírito nos torna capazes de acolher a verdade e de a levar, comprometidos, ao mundo que não ainda não conhece, não vê e, por isso, ainda não crê para que, iluminado pelo testemunho da Igreja, creia. O mesmo Espírito nos torna capazes de crucificar em nós os desejos da carne, que matam com a violência das suas paixões transformadas em “luxúria, imoralidade, libertinagem, idolatria, feitiçaria, inimizades, ciúmes, discórdias, ira, rivalidades, dissensões, facciosismos, invejas, embriaguez, orgias”; e nos chama a saborear os frutos do Espírito que são “caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança”.
Chamados a caminhar segundo o Espírito deixemos que a verdade do evangelho nos torne verdadeiras testemunhas pelo Espírito da Verdade que nos foi dado.
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