Meios para vencer os desafios da vida e ser feliz
Nas noites escuras da infância aparecem figuras desenhadas no teto do quarto antes de chegar o sono. Todas essas figuras são verdadeiras e personagens de grandes histórias. Nessas histórias tudo é possível. Cada personagem é protagonista de coisas maravilhosas que na vida real parecem impossíveis. Nessas histórias eu encarno mil personagens, todos reais, todos possíveis, todos verdadeiros e todos vencedores. Com Deus também se podem construir mil histórias, todas reais, todas verdadeiras e eu posso estar sempre em cena com ele.
Nesse Domingo a liturgia da Igreja nos propõe refletir sobre a Santíssima Trindade. Na Leitura I (Dt 4, 32-34.39-40), Moisés convida o povo a refletir sobre a verdade de Deus na sua história. O Deus de Israel não é como os outros, ele escuta a angústia do seu povo e desce para o libertar do Egito, escolhe Israel para seu povo e trava batalhas para o salvar dos inimigos, oferece-lhe uma terra onde pode viver em paz. Ele é o Deus único.
O Salmo responsorial (32/33) o salmista convida a confiar no Senhor porque ele, com a sua palavra, criou todas as coisas, está atento e liberta da morte aqueles que o temem e esperam na sua bondade e fez de nós a sua herança.
Na Leitura II (Rm 8, 14-17) Paulo recorda que todos os que se deixam conduzir pelo Espírito são filhos de Deus, herdeiros do reino e companheiros de Cristo tanto no sofrimento como na glória.
No Evangelho (Mt 28,16-20) Mateus revela o mistério da Santíssima Trindade ao narrar o encontro dos discípulos com Jesus ressuscitado. No mesmo encontro, Jesus envia-os em missão até aos confins do mundo e até ao fim dos tempos: “Jesus aproximou-Se e disse-lhes: «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos»”.
As palavras do texto litúrgico da primeira leitura fazem parte do primeiro discurso de Moisés que recorda tudo o que o Senhor fez em favor do seu povo. Moisés recorda que Deus é o Senhor de toda a terra, nenhum ídolo se compara ao Senhor, ele escolheu Israel para seu povo, ofereceu-lhe uma terra desalojando povos.
Perante tudo o que Deus fez, Moisés apresenta o conteúdo essencial da fé de Israel “reconhece e medita no teu coração que só o Senhor é Deus, tanto no alto do céu como em baixo, na terra, e que não há outro”. O conhecimento de Deus e os mandamentos são para viver, cumprir e para transmitir de geração em geração, pois está em causa a felicidade do povo do Senhor, “para seres feliz, tu e os teus filhos” e a permanência na terra prometida, “para que prolongues a tua existência sobre a terra”. Mas Deus é também o Deus de todos os povos e Israel não pode esquecer isto, porque é povo do Senhor ao serviço dos outros povos.
No coração do homem está o desejo do amor de Deus, “venha sobre nós, Senhor, o teu amor” que é garantia de felicidade “feliz a nação cujo Deus é o Senhor”, porque não são os planos dos homens, nem o exército, nem a força do guerreiro, nem o cavalo, que salva o rei. A salvação está no Senhor. Ele vela, liberta da morte e “mantém vivos” “os seus fiéis”, “os que esperam na sua bondade”. Apenas os que “esperam”? Não! Mas apenas estes sabem o que o Senhor faz por eles. Na conclusão o salmista faz uma profissão de fé em nome de todos “em vós esperamos, Senhor”.
O capítulo 8 da carta aos romanos recolhe a reflexão de Paulo sobra a vida segundo a carne e a vida segundo o Espírito. Ele chega mesmo a dizer “os que vivem sob o domínio da carne são incapazes de agradar a Deus” (Rm 8,8), e falando da comunidade de Roma, afirma “vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito, pressupondo que o Espírito de Deus está em vós” (Rm 8,9).
O Evangelho que a Igreja nos propõe hoje é o de São Mateus (28, 16-20), em que constam as últimas palavras de Cristo antes de subir aos céus: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei. Eis que eu estarei convosco todos os dias até o fim do mundo”.
É Ele quem envia o Espírito Santo, como o enviou em Pentecostes, para tocar em nós e transformar nossa vida. Essa transformação acontece, de fato, no dia a dia da Igreja pela Palavra de Deus, por isso Jesus diz: “Ensinai, fazei discípulos”, e pelos sacramentos: “Batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
Afinal, o Catecismo constitui uma exposição sobre o Credo, aquilo em que devemos crer: “Fazei discípulos, ensinai todos os povos” (Mt 28, 19); sobre os sacramentos, os mistérios de salvação dos quais devemos participar: “Batizando-os” (Mt 28, 19); sobre a vida moral, aquilo que devemos pôr em prática: “Ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei” (Mt 28, 20); e, por fim, sobre a vida espiritual, o modo como devemos rezar: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).
Eis aí a arquitetura do Catecismo da Igreja Católica: Credo, Sacramentos, Mandamentos e Vida de Oração, representada no estudo do Pai-Nosso. É interessante retomar a caminhada do Tempo Comum refazendo um pouco a catequese (Direção espiritual, discipulado). Quantos cristãos vão à igreja todos os domingos e não estão nem aí para o Catecismo que nos oferece um discipulado genuíno!…
O que é ensinar? É mudar a opinião do outro, de modo que ele enxergue a verdade. Sim, nós precisamos ensinar a Palavra de Deus para que as pessoas se convertam. Não há “respeito a opiniões”. Deve-se respeito às pessoas, e não aos eventuais erros delas; o contrário, sim, seria falta de amor: respeitar tanto a opinião, a ponto de pecar contra a caridade, deixando o outro no erro.
Isso, é claro, só acontece com o auxílio da graça, porque é Deus quem toca os corações; é o próprio Jesus ressuscitado quem envia o Espírito Santo, torna eficaz a palavra do pregador e faz o pecador converter-se. Contudo, Ele quer nos usar como instrumentos. Cristo deseja ensinar todos os povos; mas se não houver missionários, como hão de crer os que ainda não têm fé? Temos de levar a todos a boa-nova de que o Deus de amor quer que participemos da sua vida divina. Tendo-se instruído, convertido e mudado de opinião (‘conversão’, em grego, diz-se ‘μετάνοια [metánoia]’, isto é, “mudança de mentalidade”).
O problema não é só a condenação, mas a impossibilidade de participarmos de uma vida sobre-humana, divina e sobrenatural, se Deus não vier nos tocar com o Espírito Santo enviado por Cristo. O que são os sacramentos, afinal, senão instrumentos de Jesus ressuscitado? Assim como, na carpintaria de Nazaré, Ele usava serrote, martelo, plaina e esquadro para fabricar móveis, hoje Ele quer nos santificar por meio dos sacramentos.
Voltando ao Evangelho, vemos as palavras de Jesus nos dizendo que devemos não só ensinar a doutrina: “Fazei discípulos”, e administrar os sacramentos: “Batizando”, mas também observar os Mandamentos: “Ensinando-os a observar”. Por isso é necessário conhecer e ensinar os Dez Mandamentos. Se as pessoas não os conhecerem, como irão vivê-los? Finalmente: “Eis que eu estarei convosco todos os dias” (Mt 28, 20), com o que Nosso Senhor recorda a necessidade da vida de oração.
Seguir o Senhor, tanto naquela época quanto hoje, significa entregar-lhe o coração, o mias íntimo, o mais profundo do nosso ser, a nossa própria vida. Assim, entende-se que será necessário guardar a pureza numa limpeza contínua do coração. É São Paulo quem nos revela: 'Portanto, irmãos, vocês não têm de fazer o que sua natureza humana lhes pede, porque, se viverem de acordo com as exigências dela, morrerão. Se, contudo, pelo poder do Espírito, fizerem morrer as obras do corpo, viverão,' (Rm 8,12-13).
O apóstolo ainda nos ensina: “Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo” (1Co 6,20). São João Paulo II ensinou: “A pureza é a glória do corpo humano perante Deus. É a glória de Deus no corpo humano”.
A santidade, fora ou dentro da vida matrimonial, segundo o estado e a peculiar vocação recebida de cada um, é absolutamente necessária para se conseguir seguir a Cristo e exige, juntamente com a graça divina, uma grande luta e esforço pessoais. As feridas do pecado original (na inteligência, na vontade, nas paixões e nos afetos), que não desaparedem com o Batismo, introduziram um princípio de desordem na nossa natureza: a alma, de maneiras muito diversas, tende a rebelar-se contra Deus, e o corpo resiste a submeter-se à alma; e os pecados pessoais revolvem o fundo ruim que o pecado original deixou em nós e aumentam as feridas que causou na alma.
“A santidade, pureza, parte da virtude da temperança, inclina-nos a moderar prontamente e com alegria o uso da faculdade geradora, segundo os ditames da razão ajudada pela fé” (São Tomas, Suma Teológica). O seu contrário é a luxúria, que destrói a dignidade da pessoa, enfraquece a vontade na busca do bem e dificulta que a inteligência possa conhecer e amar a Deus, bem como as coisas humanas. A impureza acarreta frequentemente uma forte carga de egoísmo e arrasta o ser humano para atitudes próximas da violência e da crueldade. Se não lhe põe remédio, faz perder o sentido do divino e do transcendente: cega para aquilo que é realmente importante.
Os atos de renúncia (não olhar, não fazer, não imaginar, não desejar), ainda que sejam imprescindíveis, não são tudo na guarda da castidade; a essência desta virtude é o amor: o afeto e ternura com Deus e o respeito pelas pessoas. A castidade “mantém a juventude do amor, em qualquer estação da vida” (Josemaria Escrivá).
É, portanto, um requisito indispensável para amar. Sem santidade não há caridade, e esta é a primeira virtude e a que dá a sua perfeição e o fundamento às demais.
Os primeiros cristãos, a quem São Paulo diz que devem glorificar a Deus no corpo, estavam rodeados de um clima corrompido, diz-lhes: 'Vocês não sabem que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não se enganem: aqueles que se envolvem em imoralidade sexual, adoram ídolos, cometem adultério, se entregam a práticas homossexuais, são ladrões, avarentos, bêbados, insultam as pessoas ou exploram os outros não herdarão o reino de Deus.' (1Co 6:9-10). O apóstolo indica-lhes que devem viver uma virtude que era pouco apreciada e até desprezada naquela época e naquela cultura; como hoje, aliás. Cada um deles devia ser um exemplo vivo da fé em Cristo que traziam no coração e da riqueza espiritual que possuíam. O mesmo devemos nós fazer.
DEVEMOS TER a firme convicção de que é sempre possível viver a santidade, ainda que a pressão do ambiente seja muito forte, desde que se empreguem os meios que Deus nos dá para vencer e se evitem as ocasiões de perigo.
O mistério do homem tem a sua raiz no mistério de Deus. Se Deus conhece o homem porque o criou com as suas mãos, mas sobretudo com o seu amor, o homem não tem capacidade de conhecer Deus, mas deseja o encontro com ele no íntimo de si mesmo. O homem precisa que Deus se revele para o poder conhecer. Na sua intuição o homem sabe que pode chegar a fazer o encontro com Deus.
A revelação de Deus acompanha o homem na sua busca. Deus não substitui o homem mas ajuda-o a ir mais longe, a não se cansar de procurar e a dar asas ao seu desejo de o conhecer. Nesta busca o homem nem sempre acerta, mas Deus vai acertando o passo com ele para que o encontro se concretize.
É assim com Adão, com Abraão, com Moisés, para apresentar três momentos fundamentais na história da revelação. Adão sabe que Deus é Deus e ele não é Deus, mas confunde o seu desejo de conhecer e de entrar na comunhão com Deus, com o desejo de ser Deus de si mesmo. Subverte a intenção de Deus e dos seus mandamentos “Não, não morrereis; 5porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal” (Gn 3,4). E, em vez de liberdade e autonomia descobriu-se escravo de si mesmo e cheio de medo diante de Deus ao ponto de dizer “ouvi a tua voz no jardim e, cheio de medo, escondi-me” (Gn 3,10).
Abraão é chamado a fazer a experiência da fé no Deus único, no meio de povos que procuram um deus à sua medida, capaz de satisfazer todos os seus desejos, com quem se relacionam a medo, procurando apaziguar o seu mau humor com ofertas e sacrifícios.
Num mundo de deuses, como pode sobreviver o Deus único? O percurso da fé para o Deus único torna-se um caminho difícil no qual o povo vive o fascínio dos deuses e Deus insiste em revelar-se como o princípio e o fim único de toda a existência.
Moisés, regressa ao Deus único, o Deus de seus pais Abraão, Isaac e Jacob, depois de um tempo de exílio no Egito, uma terra a fervilhar de deuses. É no deserto, de regresso a casa, que Moisés senta o povo para uma reflexão. E começa com o desafio “interroga os tempos antigos”, “considera hoje e medita em teu coração”, para que o povo se liberte de um passado recente em que era escravo e não filho para reconhecer que “o Senhor é o único Deus, no alto dos céus e cá em baixo na terra, e não há outro”. Que o medo impede de ver a distância entre o Deus de Israel e os deuses dos outros povos, “qual foi o deus que formou para si uma nação no seio de outra nação, por meio de provas, sinais, prodígios e combates, com mão forte e braço estendido, juntamente com tremendas maravilhas, como fez por vós o Senhor vosso Deus”.
Israel levou séculos, entre infidelidades e seduções, para se deixar convencer que Deus é um só e foi ele quem o tirou do Egito, da terra da escravidão.
Só em Jesus Deus se havia de revelar plenamente, como o Deus Uno e Trino. O Deus criador, salvador e consolador do homem. O Deus próximo que vem ao encontro e se dá a conhecer como é, comunhão de pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo. E que nós, os crentes, no batismo mergulhamos na comunhão com ele, e nos tornamos participantes do seu ser como filhos.
No final do evangelho de Mateus, ali onde o gesto de adoração se mistura com a dificuldade em acreditar, Jesus revela que no batismo todo o homem tem a possibilidade de mergulhar na intimidade de Deus e participar na comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E Paulo vem recordar nas palavras dirigidas à comunidade de Roma, que graças ao Espírito Santo, dom de Deus recebido no Batismo, somos filhos e não escravos. A nossa relação com Deus está fundada na confiança de filhos e por isso obedecemos com alegria, porque reconhecemos que Deus, o Pai, tudo o que nos pede é para sermos felizes e podermos habitar nele para sempre, como ele permanece em nós “até ao fim dos tempos”.
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