Resgatando o Valor do Tempo: Um Chamado à Vida com Sentido

 

### **A Jornada da Vida e o Perigo de uma Cultura Sem Propósito - Reflexões da *Divina Comédia de Dante Alighieri***  

A obra *Divina Comédia* de Dante Alighieri é uma das mais ricas alegorias da condição humana. Sua jornada pelo Inferno, Purgatório e Paraíso reflete os desafios espirituais e morais enfrentados em cada época, mas sua relevância permanece atemporal, especialmente quando confrontada com a realidade da sociedade atual. Como Dante, muitas pessoas hoje se encontram em uma **“selva tenebrosa”**, presas a um estilo de vida moldado por valores que promovem a superficialidade e o vazio existencial.  

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### **A “Selva Tenebrosa” do Mundo Moderno**

Na abertura da *Divina Comédia*, Dante descreve sua perda da "verdadeira estrada" e seu encontro com uma selva escura. Essa selva pode ser interpretada como uma metáfora para os vícios e distrações humanas. Na sociedade contemporânea, essa selva assume novas formas:  

- **Luxúria e Fraude (Pantera):** Representadas por um consumismo desenfreado e uma cultura digital que prioriza aparências e ilusões, muitas vezes escondendo a verdade.  

- **Soberba e Violência (Leão):** Alimentadas pelo individualismo, a busca por poder e status gera divisões, conflitos e uma obsessão com o ego.  

- **Avareza e Incontinência (Loba):** A ânsia por acumular bens e riqueza, acompanhada pela falta de autocontrole, consome o tempo e a energia de tantos, sem oferecer verdadeira alegria ou realização.  

Assim como Dante precisou de Virgílio e Beatriz para guiá-lo, a sociedade atual também precisa de direções para sair dessa selva de futilidade.

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### **A Superficialidade no Uso do Tempo**

Os dados recentes mostram que, enquanto nas décadas passadas a convivência com a família, amigos e a comunidade moldavam a vida cotidiana, hoje o tempo é dominado pelo ambiente **on-line**. Segundo documentos como **"Evangelii Gaudium"** e **"Amoris Laetitia"**, essa mudança nos afastou da profundidade das relações humanas, criando uma sociedade:  

1. **Superficial:** A busca incessante por validação nas redes sociais substitui o cultivo de amizades verdadeiras.  

2. **Fútil:** As pessoas gastam horas consumindo conteúdo sem propósito, ignorando o valor de momentos reais e espirituais.  

3. **Sem propósito:** A ausência de valores transcendentais leva ao vazio existencial, como as almas que Dante encontra no Inferno, **“suplicando uma segunda morte”**.

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A mudança drástica no uso do tempo e a centralidade da vida **on-line** impactaram profundamente os relacionamentos familiares, sociais e comunitários, como apontado na **"Evangelii Gaudium"** e **"Amoris Laetitia"**, ambos de autoria do Papa Francisco. Esses documentos refletem sobre os desafios e as oportunidades da era contemporânea, oferecendo recomendações para recuperar o sentido dos vínculos humanos e do tempo compartilhado.

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### **Fatos e desafios destacados:**

#### **1. Fragmentação dos relacionamentos e individualismo:**

- **Evangelii Gaudium:** Denuncia o **individualismo crescente** e o enfraquecimento dos laços comunitários em uma sociedade marcada pelo consumismo, pelo isolamento e pela pressa (n. 67, 77). A cultura digital contribui para a superficialidade nos relacionamentos.

- **Amoris Laetitia:** Observa que a tecnologia, embora conecte pessoas virtualmente, muitas vezes distancia os membros das famílias que vivem sob o mesmo teto, prejudicando o diálogo e a convivência real (n. 51).

#### **2. Tempo investido na tecnologia:**

- **Evangelii Gaudium:** Reconhece que a cultura on-line absorve o tempo das pessoas, muitas vezes promovendo superficialidade em vez de profundidade nos relacionamentos. As redes sociais podem criar bolhas de opinião e polarização (n. 45).

- **Amoris Laetitia:** Aponta que o uso excessivo da tecnologia afeta **o tempo compartilhado em família**, limitando momentos de diálogo, escuta e brincadeiras, fundamentais para o crescimento emocional e espiritual (n. 50).

#### **3. Desvalorização da presença comunitária:**

- A igreja, a escola e os amigos foram, historicamente, espaços importantes de formação humana e espiritual, mas estão sendo deixados de lado pela centralidade da vida on-line. A relação com os vizinhos e as comunidades locais, em particular, foi gravemente afetada.

#### **4. Vulnerabilidade emocional:**

- **Evangelii Gaudium:** Destaca que a falta de tempo para relações autênticas leva a um vazio interior e a uma maior vulnerabilidade ao cansaço, ansiedade e até à solidão (n. 87).

- **Amoris Laetitia:** Alerta para o impacto que a ausência de vínculos reais tem sobre crianças e jovens, especialmente quando eles substituem a convivência familiar por interações digitais (n. 278).

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### **Recomendações para o uso do tempo e resgate dos relacionamentos:**

#### **1. Recuperar a centralidade da família como "igreja doméstica":**

- **Amoris Laetitia:** A família deve ser um espaço de encontro onde se cultive o diálogo, o amor mútuo e o tempo de qualidade. Recomenda limitar o uso excessivo de dispositivos tecnológicos e promover momentos de oração, refeições e lazer compartilhados (n. 50, 223).

#### **2. Promover a presença física e o contato humano:**

- **Evangelii Gaudium:** A Igreja é chamada a ser uma comunidade viva e presente, resgatando a convivência nos espaços físicos. Sugere a criação de ambientes que incentivem o encontro e o apoio mútuo (n. 73).

- **Amoris Laetitia:** Insiste na importância do contato humano como base para a comunicação autêntica, sem a mediação exclusiva da tecnologia (n. 276).

#### **3. Educar para o uso saudável da tecnologia:**

- Ambos os documentos pedem que os pais e educadores ajudem as crianças e jovens a usar a tecnologia com responsabilidade. É necessário promover um equilíbrio entre o tempo on-line e as interações presenciais (EG, n. 62; AL, n. 51).

#### **4. Valorizar a comunidade e a solidariedade:**

- **Evangelii Gaudium:** Enfatiza que o tempo deve ser investido na **edificação de comunidades**. Incentiva a valorização da **proximidade** com os vizinhos e a participação em atividades comunitárias (n. 88).

- **Amoris Laetitia:** Ressalta que a família deve ser o primeiro lugar onde se aprende a viver a solidariedade e o amor pelo próximo, mesmo no contexto de um mundo digitalizado (n. 276).

#### **5. Resgatar a espiritualidade no uso do tempo:**

- **Evangelii Gaudium:** Convida a uma espiritualidade que priorize o essencial: o encontro com Deus e com o próximo. Sugere momentos de silêncio, contemplação e oração como antídotos para a dispersão causada pela vida on-line (n. 262).

- **Amoris Laetitia:** Incentiva as famílias a reservarem momentos regulares para a **oração conjunta**, cultivando a espiritualidade como forma de fortalecer os laços familiares (n. 227).

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Os documentos da Igreja, como **"Evangelii Gaudium"** e **"Amoris Laetitia"**, oferecem uma crítica lúcida à forma como o tempo e os relacionamentos são vividos hoje. Eles chamam à **responsabilidade no uso da tecnologia**, ao resgate dos laços familiares e comunitários e à valorização do tempo como um dom de Deus para cultivar o amor, a solidariedade e a espiritualidade.  O desafio é equilibrar os benefícios do mundo digital com a profundidade das relações humanas reais e com Deus.

O bem da família é decisivo para o futuro do mundo e da Igreja. Inúmeras são as análises feitas sobre o matrimónio e a família, sobre as suas dificuldades e desafios actuais. É salutar prestar atenção à realidade concreta, porque «os pedidos e os apelos do Espírito ressoam também nos acontecimentos da história» através dos quais «a Igreja pode ser guiada para uma compreensão mais profunda do inexaurível mistério do matrimónio e da família.

### **A Realidade Atual da Família: Desafios e Propostas**  

A família contemporânea vive um momento de intensas transformações culturais e antropológicas, enfrentando desafios como o individualismo exacerbado, o ritmo frenético da vida e uma cultura que privilegia o efêmero. Esses fatores enfraquecem os laços familiares, dificultando compromissos duradouros e gerando tensões e crises emocionais e relacionais.  

#### **Mudanças e Riscos Culturais**  

A cultura atual valoriza a personalização e a liberdade, mas frequentemente os orienta de forma equivocada, promovendo atitudes de desconfiança, isolamento e fuga de compromissos. Essa visão transforma a família em um espaço de conveniência, baseado em desejos volúveis, e não em valores sólidos como fidelidade e doação mútua. A cultura do descartável também permeia os relacionamentos, refletindo nas altas taxas de separações e na instabilidade emocional que enfraquece tanto indivíduos quanto a sociedade.  

#### **A Crise no Casamento e na Formação Familiar**  

As mudanças culturais e econômicas levaram à diminuição dos matrimônios e ao aumento de novas configurações familiares, muitas vezes marcadas pela precariedade. Jovens adiam o casamento por medo, insegurança econômica ou influência de ideologias que desvalorizam o matrimônio, enquanto a obsessão pelo conforto e a liberdade pessoal substituem o compromisso duradouro.  

#### **Propostas e Caminhos**  

Como cristãos, é essencial propor a beleza do matrimônio e da família, não com imposições, mas com um esforço responsável para preparar as pessoas à luz da graça divina. Isso inclui acolher com misericórdia as fragilidades humanas e oferecer apoio pastoral que promova um amor dinâmico e concreto.  

A Igreja é chamada a formar consciências e não substituí-las, promovendo uma pastoral positiva que valorize o crescimento no amor, a reconciliação e a superação de conflitos. É necessário recuperar a fé e os valores transcendentais, fortalecer os laços familiares e encorajar projetos comuns sustentados pelo afeto e pela solidariedade.  

#### **Conclusão**  

Em um mundo marcado pela solidão e pelo individualismo, a família é chamada a ser um espaço de estabilidade, doação e amor genuíno. A mensagem da Igreja deve ser um reflexo das atitudes compassivas de Jesus, propondo caminhos de felicidade enraizados em valores que superam o transitório e apontam para a verdadeira realização humana e espiritual.

### **O Caminho para Redescobrir a Verdadeira Estrada**

Na jornada de Dante, Virgílio simboliza a **razão humana**, e Beatriz, o **amor divino e a fé**. Esses guias oferecem lições valiosas para quem busca sair da selva moderna:  

#### **1. Recuperar o sentido do tempo e da vida comunitária**  

Os documentos papais nos convidam a investir no tempo de qualidade com a família, amigos e comunidade, como forma de encontrar sentido e combater o isolamento. É necessário equilibrar o uso da tecnologia com momentos de convivência real, oração e serviço ao próximo.  

#### **2. Abandonar os vícios modernos**  

Assim como Dante confronta os pecados no Inferno, somos chamados a refletir sobre nossos próprios vícios: consumismo, vaidade e excesso de trabalho. Isso exige coragem para renunciar a práticas que nos afastam de Deus e dos outros.  

#### **3. Buscar o transcendental**  

Dante só encontra paz ao final de sua jornada, no Paraíso, onde contempla a grandeza de Deus. De forma semelhante, somos convidados a reorientar nossa vida para valores eternos, redescobrindo a alegria na fé e na solidariedade.  

#### **4. Valorizar o amor como guia**  

Beatriz, o “espírito melhor”, simboliza o amor que guia Dante ao Paraíso. Na realidade contemporânea, o amor deve ser o critério que orienta nossas escolhas, seja na família, no trabalho ou nas redes sociais.  

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### **O Alerta de Dante para o Mundo Atual**

O estilo de vida que molda a cultura atual, com seus valores fúteis e distrações constantes, é um caminho perigoso. Assim como as almas no Inferno de Dante, muitos hoje vivem suplicando por algo que lhes dê sentido, mas continuam presas ao vazio.  

A mensagem de Dante, complementada pelas reflexões da **"Evangelii Gaudium"** e **"Amoris Laetitia"**, é um convite a sair da selva tenebrosa da superficialidade e reencontrar a verdadeira estrada: uma vida pautada pelo amor, pela fé e pela busca do transcendente. Afinal, como o próprio Dante descobre, a alegria verdadeira só é possível quando colocamos nossa confiança no que é eterno.  

A reflexão sobre o uso do tempo à luz dos princípios e valores cristãos nos conduz inevitavelmente ao mistério central da fé: a encarnação do Verbo. A vida de Jesus, marcada pelo cotidiano simples e profundamente significativo da família de Nazaré, revela a santidade escondida nos gestos mais ordinários e convida-nos a reencontrar o sentido do tempo vivido em comunhão com Deus e com os outros. 

A entrega de Maria ao plano divino, o cuidado fiel de José, a alegria dos pastores e a adoração dos Magos revelam um modo de viver que transforma o ordinário em extraordinário. Os trinta anos de vida oculta de Jesus em Nazaré são um testemunho de que o verdadeiro valor do tempo não está em sua quantidade, mas na profundidade e na fidelidade com que é vivido. É nesse ambiente familiar que Jesus se formou na tradição do seu povo, experimentando a riqueza das relações humanas e a beleza do trabalho humilde.

As famílias cristãs, chamadas a espelhar a Sagrada Família, encontram nesse modelo a força para enfrentar crises e desafios, tornando-se luzes no meio das trevas do mundo. Assim como Nazaré ensina o valor da educação familiar, também nos recorda que a construção de relações sólidas e frutíferas exige tempo, paciência e uma fidelidade perseverante. Cada momento vivido com amor e propósito, mesmo em meio às dificuldades, é uma semente plantada no solo fértil do Reino de Deus.

O tempo, então, não deve ser visto como mero recurso a ser gerido, mas como um dom que nos aproxima de valores perenes e nos insere na lógica da eternidade. Ele nos desafia a viver com autenticidade, colocando Deus no centro das nossas escolhas e relacionamentos. Como ensina São Paulo VI, Nazaré nos convida a redescobrir a beleza austera e sagrada da vida familiar, lembrando-nos de que o amor e a fidelidade, mesmo na fragilidade, podem gerar luz que transforma a história.

Por fim, a vivência do tempo à luz do mistério de Nazaré é um convite à esperança. Quando orientado por princípios cristãos, o tempo transforma crises em oportunidades de crescimento, gera vínculos mais profundos e prepara os corações para acolher as surpresas do Reino. É na simplicidade do amor vivido que o tempo encontra sua plenitude, revelando-se não apenas como um instrumento, mas como um caminho que nos conduz à eternidade.