A Igreja em Dois Caminhos: Consumismo Espiritual ou Evangelho Transformador?


 


### "Onde estás?" – Um Chamado à Redenção e ao Evangelho da Cruz  


A pergunta feita por Deus a Adão, “Onde estás?” (Gn 3,9), ecoa por toda a história da humanidade e também dentro de cada um de nós. É uma pergunta que revela o drama do afastamento humano de Deus, mas também a esperança da reconciliação. Onde estamos? Que terreno é este que habitamos? Somos hinos de louvor ao Criador ou ecos de uma existência consumida pelo medo, pela culpa e pela busca de coisas passageiras?  


A história do pecado original nos lembra que o ser humano foi criado para a plenitude em Deus, mas, em sua fragilidade, escolheu esconder-se. Diante de sua nudez e de sua culpa, o homem buscou desculpas: “Foi a mulher que tu me deste...” (Gn 3,12). A harmonia entre Deus e o homem, entre o homem e a criação, foi rompida. Contudo, como nos recorda São Paulo, Deus não desistiu do ser humano. Antes mesmo da criação, Ele nos escolheu e nos abençoou com todas as bênçãos espirituais, predestinando-nos a sermos filhos adotivos por meio de Cristo (Ef 1,3-6).  


No Evangelho de Lucas, encontramos a resposta perfeita para a pergunta “Onde estás?”. Quando o Anjo Gabriel anuncia a Maria o plano divino, ela responde: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Ao contrário de Adão, que fugiu, Maria expõe-se. Ela aceita o chamado de Deus com coragem e entrega. Seu “faça-se” reverte o “não” de Adão e inaugura uma nova humanidade.  


Aqui reside o centro do Evangelho da Cruz: a entrega, o sacrifício, o chamado ao amor que confronta e transforma. O "faça-se" de Maria e o sacrifício de Cristo na cruz nos mostram que a vida cristã não é uma busca por conforto ou satisfação pessoal, mas uma resposta ao amor de Deus que nos chama à santidade.  


Em contraste, há uma tentação presente em nossos tempos: transformar a fé em um produto e o público em consumidores. Em muitas comunidades cristãs, o foco desloca-se da cruz para a experiência pessoal imediata, da entrega para o consumo. Prega-se um evangelho que busca agradar, em vez de confrontar, que entretém, em vez de redimir. Nesse modelo, as igrejas tornam-se espaços de satisfação emocional e não de conversão.  


A Igreja Católica, por outro lado, sustenta-se na fidelidade ao Evangelho da Cruz. Como nos ensina o *Sacrosanctum Concilium*, a liturgia é “o cume e a fonte de toda a vida cristã” porque nela Cristo está presente, oferecendo-se novamente por nós. A pregação católica, enraizada na Palavra e na Eucaristia, não tem como objetivo agradar ou encher bancos, mas conduzir almas à santidade.  


Maria, a nova Eva, é o modelo da resposta ao chamado de Deus. Seu "faça-se" é um convite para que também nos tornemos hinos de louvor à glória do Senhor, como nos lembra o salmista: “Cantai ao Senhor Deus um canto novo, porque ele fez prodígios!” (Sl 97,1). No silêncio da nossa Nazaré, somos convidados a deixar de lado o medo, o egoísmo e o pecado, acolhendo a graça que Deus nos oferece em Cristo.  


 


### O Contraste entre Igrejas voltadas ao Crescimento Numérico e a Igreja Católica na Preservação da Liturgia e do Evangelho da Cruz


Nos últimos anos, a proliferação de igrejas com foco no crescimento numérico trouxe à tona discussões sobre os métodos utilizados para atrair fiéis e os efeitos resultantes. Muitas dessas igrejas moldam suas pregações e práticas para atender aos desejos dos frequentadores, tratando-os como consumidores em busca de gratificação imediata. Por outro lado, a Igreja Católica, fundamentada em sua tradição milenar, liturgia sagrada e o Evangelho da Cruz, apresenta uma abordagem distinta, centrada na transformação espiritual do fiel por meio do arrependimento, do sacrifício e da santidade. Este contraste reflete não apenas a diferença de objetivos, mas também os efeitos espirituais e eclesiológicos resultantes.



#### Igrejas voltadas ao crescimento numérico: O público como consumidores


As igrejas focadas no crescimento quantitativo frequentemente utilizam estratégias de marketing para atrair "consumidores religiosos". Essa abordagem adapta as pregações, a liturgia (ou sua ausência) e até mesmo o espaço físico para satisfazer as expectativas de conforto, entretenimento e utilidade imediata dos frequentadores. Como observado em algumas megaigrejas, os cultos são projetados para agradar, minimizando aspectos doutrinários e confrontadores do Evangelho. Sermões diluídos e mensagens terapêuticas centradas no bem-estar pessoal tendem a evitar temas como pecado, cruz, arrependimento e sacrifício, que poderiam desagradar o público.


O efeito disso é uma comunidade com pouca profundidade espiritual. A ênfase na experiência emocional e na satisfação pessoal tende a produzir um cristianismo superficial, que muitas vezes não conduz à transformação interior e à maturidade na fé. Como afirmou Bento XVI em *Verbum Domini* (2010), uma fé sem raízes na Palavra de Deus e na verdade do Evangelho corre o risco de se tornar “mera experiência subjetiva”, desvinculada da mensagem redentora e transformadora de Cristo.



#### A Tradição Católica: Evangelho da Cruz e Liturgia Sagrada


Em contraste, a Igreja Católica, alicerçada em sua tradição litúrgica e magistério, apresenta um modelo de pregação e vivência da fé que se afasta do pragmatismo contemporâneo. Documentos como *Sacrosanctum Concilium* (1963) destacam que a liturgia não é apenas uma celebração comunitária, mas o "culminar da ação salvífica de Cristo". A Eucaristia, como ensina Bento XVI em *Sacramentum Caritatis* (2007), é o "sacrifício de Cristo na cruz tornado presente". Nesse contexto, o fiel é convidado a contemplar e participar do mistério pascal de Cristo, assumindo sua própria cruz para seguir o caminho da santidade.


Ao contrário da lógica consumista, a pregação na Igreja Católica é orientada para a conversão e a edificação da santidade. Como ensina o *Catecismo da Igreja Católica* (§2015), "o caminho da perfeição passa pela cruz". A mensagem central do Evangelho não é o bem-estar temporário, mas a reconciliação do ser humano com Deus por meio de Cristo. Essa abordagem é confrontadora porque expõe a realidade do pecado e a necessidade de arrependimento, mas o faz em um espírito de amor e verdade, como pontuado em *Redemptionis Sacramentum* (2004).



#### Diferenças no efeito espiritual


A diferença nos objetivos – crescimento numérico versus fidelidade ao Evangelho – gera efeitos marcadamente distintos. Igrejas que tratam seu público como consumidores tendem a criar um ambiente de complacência espiritual, onde a fé se torna um instrumento para a satisfação pessoal e não um chamado ao sacrifício e à transformação. Por outro lado, a Igreja Católica, por meio da sua fidelidade à liturgia e à pregação do Evangelho da Cruz, oferece uma experiência espiritual que desafia o fiel a crescer em santidade, moldando-o à imagem de Cristo.


Bento XVI, em *Verbum Domini* (2010), destaca que a evangelização autêntica está enraizada na Palavra que salva e transforma. "O anúncio do Evangelho não pode ser adaptado para satisfazer os desejos dos ouvintes", afirmou. De maneira semelhante, a constituição *Sacrosanctum Concilium* insiste que a liturgia deve ser uma expressão da verdade objetiva, apontando para Cristo como centro e fonte de todas as graças.



No artigo “A igreja ao gosto do freguês” publicado por Seminário JMC - tradição presbiteriana- link: https://bit.ly/3ZtR89t nota-se que ““o movimento chamado “igreja ao gosto do freguês” está invadindo muitas denominações evangélicas, propondo evangelizar através da aplicação das últimas técnicas de marketing. Tipicamente, ele começa pesquisando os não-crentes (que um dos seus líderes chama de “desigrejados” ou “João e Maria desigrejados”). A pesquisa questiona os que não frequentam quaisquer igrejas sobre o tipo de atração que os motivaria a assistir às reuniões. Os resultados do questionário mostram as mudanças que poderiam ser feitas nos cultos e em outros programas para atrair os “desigrejados”, mantê-los na igreja e ganhá-los para Cristo. Os que desenvolvem esse método garantem o
crescimento das igrejas que seguirem cuidadosamente suas diretrizes
aprovadas. Praticamente falando, dá certo!


Duas igrejas são consideradas modelos desse movimento: Willow Creek Community Church (perto de Chicago), cujo fundador e responsável por esse movimento foi Bill Hybels, e Saddleback Valley Church (ao sul de Los Angeles) pastoreada por Rick Warren.
Sua influência é inacreditável. Willow Creek formou sua própria associação de igrejas, com 9.500 igrejas-membros. Em 2003, 100.000 líderes de igrejas, no mínimo, assistiram a uma conferência para líderes realizada por Willow Creek. Acima de 250.000 pastores e líderes de mais de 125 países participaram do seminário de Rick Warren (“Uma Igreja com Propósitos”). Mais de 60 mil pastores recebem seu boletim semanal.


O alvo declarado dessas igrejas é alcançar os perdidos, o que é bíblico e digno de louvor. Mas o mesmo não pode ser dito quanto aos métodos usados para alcançar esse alvo. Vamos começar pelo marketing como uma tática para alcançar os perdidos. Fundamentalmente, marketing traça o perfil dos consumidores, descobre suas necessidades e projeta o produto (ou imagem a ser vendida) de tal forma que venha ao encontro dos desejos do consumidor. O resultado esperado é que o consumidor compre o produto. George Barna, a quem a revista Christianity Today (Cristianismo Hoje) chama de “o guru do crescimento da igreja”, diz que tais métodos são essenciais para a igreja de nossa sociedade consumista. Líderes evangélicos do movimento de crescimento
da igreja reforçam a ideia de que o método de marketing pode ser aplicado – e eles o têm aplicado – sem comprometer o Evangelho. Será?


Em primeiro lugar, o Evangelho, e mais significativamente a pessoa de Jesus
Cristo, não cabem em nenhuma estratégia de mercado. Não são produtos a serem
vendidos. Não podem ser modificados ou adaptados para satisfazer as necessidades de nossa sociedade consumista. Qualquer tentativa nessa direção compromete de algum modo a verdade sobre quem é Cristo e do que Ele fez por nós. Por exemplo, se os perdidos são considerados consumidores, e um mandamento básico de marketing diz que o freguês sempre tem razão, então qualquer coisa que ofenda os perdidos deve ser deixada de lado, modificada ou apresentada como sem importância. A Escritura nos diz claramente que a mensagem da cruz é “loucura para os que se perdem” e que Cristo é uma “pedra de tropeço e rocha de ofensa” (1 Co 1.18 e 1 Pe 2.8).


Algumas igrejas voltadas ao consumidor procuram evitar esse aspecto negativo
do Evangelho de Cristo enfatizando os benefícios temporais de ser cristão e
colocando a pessoa do consumidor como seu principal ponto de interesse. Mesmo que essa abordagem apele para a nossa geração acostumada à gratificação imediata, ela não é o Evangelho verdadeiro nem o alvo de vida do crente em Cristo.


Em segundo lugar, se você quiser atrair os perdidos oferecendo o que possa interessá-los, na maior parte do tempo estará apelando para seu lado carnal. Querendo ou não, esse parece ser o modus operandi dessas igrejas. Elas copiam o que é popular em nossa cultura – músicas das paradas de sucesso, produções teatrais, apresentações estimulantes de multimídia e mensagens positivas que não ultrapassam os trinta minutos. Essas mensagens frequentemente são tópicas, terapêuticas, com ênfase na realização pessoal, salientando o que o Senhor pode oferecer, o que a pessoa necessita – e ajudando-a na solução de seus problemas.””



O texto acima, em sua crítica às "igrejas ao gosto do freguês", reflete uma das consequências do niilismo em nossa sociedade líquida: a dissolução de fundamentos objetivos em favor de experiências superficiais e efêmeras. Essa tendência, influenciada por uma geração "dopamina", reflete a busca imediatista por gratificação emocional, relegando verdades absolutas e transcendentais ao plano secundário. 


Zygmunt Bauman, em sua obra sobre a "modernidade líquida", já diagnosticava que a sociedade contemporânea é marcada pela fluidez e pela incapacidade de estabelecer estruturas sólidas. O foco não é mais na profundidade ou na busca de um significado transcendental, mas na constante adaptação ao mercado e aos desejos mutáveis dos indivíduos. Essa lógica se aplica diretamente às igrejas que priorizam o crescimento quantitativo sobre o qualitativo. A mentalidade consumista, impulsionada por técnicas de marketing e estratégias de entretenimento, transforma a igreja em um produto comercializado, adaptável às preferências do "cliente" (no caso, o frequentador).



### **Niilismo e a Sociedade Líquida na Igreja**


O niilismo, como a rejeição ou ausência de valores objetivos, subjaz à visão de mundo de muitas dessas igrejas. Quando a verdade bíblica é diluída para evitar o desconforto ou a confrontação com a cruz, a mensagem de salvação perde sua essência. Em vez de um chamado ao arrependimento, temos uma narrativa terapêutica que busca satisfazer necessidades emocionais e psicológicas, alinhada com os princípios do mercado. 


As características dessa geração "dopamina" (marcada pela busca incessante por estímulos prazerosos e respostas rápidas) encontram eco nessas igrejas, que oferecem experiências superficiais e de consumo imediato. O uso de música popular, multimídia, teatros e mensagens motivacionais de curta duração é um reflexo dessa lógica. A verdade eterna da cruz e o chamado à santidade – que exigem esforço, sacrifício e profundidade – são substituídos por entretenimento e conveniência.



### **Consequências para a Igreja**


A consequência mais grave desse modelo é o enfraquecimento da mensagem do Evangelho. A cruz, que é "escândalo para os judeus e loucura para os gentios" (1 Co 1:23), é suavizada em prol de uma mensagem que não ofenda. O resultado disso é uma congregação alimentada por "leite aguado", incapaz de crescer espiritualmente e de se comprometer com a santificação.


A ênfase no crescimento numérico, como descrito no texto, também aponta para uma migração de cristãos de igrejas menores para megaigrejas, em vez de um real alcance dos "desigrejados". Assim, o impacto evangelístico dessas comunidades é questionável, enquanto a profundidade doutrinária é abandonada.



### **Crítica ao Marketing na Igreja**


A aplicação de princípios de marketing à igreja revela um equívoco teológico fundamental: a mensagem de Cristo não é um produto e os crentes não são consumidores. Quando a igreja adota estratégias de mercado, ela compromete sua identidade. Jesus Cristo e o Evangelho não podem ser adaptados às demandas culturais sem perder sua essência. Pelo contrário, a igreja deve transformar a cultura, não se conformar a ela (Rm 12:2).


O marketing, ao identificar os desejos do "consumidor", tende a eliminar aspectos desconfortáveis da mensagem, como a necessidade de negar a si mesmo e tomar a cruz (Mt 16:24). Isso resulta em uma igreja que atrai pelo apelo carnal, mas que falha em conduzir as pessoas a um verdadeiro encontro com Deus.



### **Paralelo com Laodiceia**


A comparação com a igreja de Laodiceia é pertinente. Assim como os laodiceenses eram ricos e autossuficientes, mas espiritualmente pobres, cegos e nus (Ap 3:17), as "igrejas ao gosto do freguês" podem parecer vibrantes e bem-sucedidas, mas são vazias de poder espiritual. Sua dependência de estratégias humanas em detrimento da suficiência das Escrituras (2 Pe 1:3) as coloca em uma posição de tibieza espiritual.




### **Conclusão: Um Chamado à Reforma**



Para que a igreja recupere sua força e relevância espiritual, é necessário abandonar a mentalidade de mercado e voltar-se para a centralidade do Evangelho. A verdade de Cristo não precisa de adaptações ou artifícios para transformar vidas. É a mensagem da cruz – poderosa, embora desconfortável – que salva e santifica.


A igreja contemporânea precisa resistir à tentação de ser popular à custa de ser fiel. Seu papel não é oferecer "dopamina" ou satisfazer desejos imediatos, mas conduzir as pessoas à profundidade de uma vida transformada pela Palavra de Deus e pelo Espírito Santo.



As igrejas que priorizam o crescimento numérico frequentemente comprometem a mensagem do Evangelho para atrair e reter frequentadores, produzindo uma fé centrada no ser humano e não em Deus. Em contraste, a Igreja Católica, ao preservar sua tradição litúrgica e o Evangelho da Cruz, mantém o foco na santificação dos fiéis e na verdade redentora de Cristo. Essa diferença não é apenas de métodos, mas de propósito: enquanto algumas igrejas buscam agradar o público, a Igreja Católica busca conduzir as almas à salvação, mesmo que isso envolva confrontação, sacrifício e um convite à cruz. Como Jesus nos ensinou, "quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha causa, achá-la-á" (Mt 16,25). A verdadeira Igreja não busca seguidores; busca discípulos.



Que este devocional nos prepare para aprofundar as diferenças entre uma igreja voltada ao consumo e uma igreja que vive o Evangelho da Cruz. Que possamos reconhecer onde estamos, aceitar o chamado de Deus e, como Maria, responder: “Eis-me aqui, faça-se em mim segundo a tua palavra”. Que a nossa vida, mesmo na simplicidade e nas dificuldades, seja transformada em um hino de louvor à glória de Deus.

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