A vida vem de “toda a palavra que sai da boca de Deus”
Evangelho: Lucas 4,1-13
“Jesus, no deserto, era guiado pelo Espírito e foi tentado.”
Entramos na Quaresma sob o espectro da guerra. Como é que isto pode ter acontecido? É a pergunta que fazemos sem, contudo, encontrar respostas…
Damos de caras com o mal e com as suas consequências.
A quarta-feira de cinzas levou-nos a reconhecer que somos pó e que é necessário converter-se e acreditar no Evangelho. Porque, de fato, a nossa condição humana é limitada e finita. Tantas vezes queremos e fazemos o que não devíamos, e não fazemos o que devíamos.
As tentações de Jesus narradas no Evangelho são as nossas tentações, a presença do mistério do mal em nós e a representação da sua força sedutora… O mal atrai, seduz, mobiliza e traz consigo a falta de coerência, a corrupção e as forças destruidoras; procura-se a riqueza, o domínio, o orgulho, o prestígio, a segurança própria sem pensar nas consequências para os outros… A guerra revela tudo isto e muito mais…
1. Se és o Filho de Deus, que esta pedra se converta em pão
— Jesus, Ele próprio, ao fazer-se um de nós, também teve que ultrapassar muitas dificuldades (tentações). Ele era o “Filho amado” (assim foi proclamado no episódio anterior do Batismo) mas isso não lhe deu vantagem quando assume completamente a condição humana…
— A primeira tentação tem como horizonte o acumular do pão, dos bens materiais, da riqueza acumulada…
— A diferença principal em relação a nós, está no fato de Jesus superar as tentações enquanto nós, muitas vezes, cedemos… Para Jesus, a vida vem de “toda a palavra que sai da boca de Deus”, palavra que subsiste sempre: quando há pão e quando não há…
— Fazendo a experiência de não ter para comer, Jesus converte-se no irmão universal de todos os pobres deste mundo e abre-nos outros horizontes de vida que ultrapassam o possuir, o ter…
2. Dar-te-ei poder e glória se te prostrares diante de mim
— Num lugar alto, a tentação do poder é sempre muito grande. Para levar a bom termo a missão que o Pai lhe confia parece que seria necessário pactuar com este modo de influenciar: a partir de cima, do alto do poder…
— Mas Jesus escolheu estar ao lado das pessoas, conviver com elas, fazer a experiência da pobreza e não da riqueza e do poder; ficar com os últimos….
— A tentação do diabo pode traduzir-se assim: pensas que por este caminho vais conseguir alguma coisa? É assim que realizas a missão que o Pai te confiou? Para teres eficácia aceita o poder e impõe-te pela riqueza… Mas não foi por aqui que Jesus seguiu…
3. Se és o Filho de Deus, atira-te daqui abaixo
— Mais uma vez, a proposta do diabo parece aliciante: deseja que as pessoas te escutem e vão atrás de ti? Queres ter sucesso rápido sem ser preciso andares de um lado para o outro e sofrer a incompreensão? Realiza uma coisa extraordinária, faz um prodígio atirando-te do templo porque os anjos seguram-te e todos saberão que és o Messias esperado…
— Jesus rejeita esta proposta que traria prestígio e criaria uma imagem de sucesso… Pode-se confiar em Deus mas, com humildade… O anúncio do Reino deixa liberdade às pessoas e não é nenhum espectáculo de circo…
4. Pecado e graça
— Jesus não cedeu às tentações, ao caminho fácil de ter os bens materiais assegurados, do poder e do prestígio…
— É certo que as tentações fazem parte da nossa humanidade mas, não resistir por fragilidade ou ambição não nos torna mais humanos… Uma coisa é experimentar as tentações, outra é abdicar perante elas…
— Jesus de Nazaré foi homem em tudo: conduziu a nossa humanidade à sua realização total e, uma expressão eloquente deste itinerário foi não ter cedido às tentações. O pecado, resultado da nossa desistência na luta contra as tentações, ao contrário do que às vezes se diz, já não é humano… Até desumaniza porque depois dele, só nos resta implorar a misericórdia e o perdão para recompor, a partir de Deus, a nossa humanidade que fica afetada …
— Quando cedemos às tentações que brotam do nosso interior ou de forças exteriores, por vezes disfarçadas, torna-se perigoso porque sempre temos dificuldade em reconhecer a culpa, racionalizamos demasiado e procuramos justificações para tudo…
— Por isso, é necessário uma atitude constante de discernimento para não confundir as consequências do pecado, que nos tornam menos humanos, com a humanidade das tentações… As nossas justificações não podem ser sempre apelar para uma “hipotética humanidade do pecado”… Somos chamados a não pecar, apesar das tentações…
— Embora reconheçamos a nossa fragilidade e vulnerabilidade, há que lutar contra o mal e, se algumas vezes não fomos capazes de o evitar, aceitemos a graça e a misericórdia que o nosso Deus dispensa a todos os que querem caminhar com Ele…
— Como diz S. Paulo, “todo aquele que acreditar no Senhor não será confundido”… O grande obstáculo é sempre o querermos ser nós os protagonistas… Olhemos para Jesus que, antes de começar a sua atividade, fez silêncio no deserto, calou-se e orou: fez a “sua quarentena”… Façamos nós também a nossa…
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