As falsas alegrias
Se repararmos bem, tudo o que fazemos tem em vista satisfazer a sede de felicidade que se aninha em todo ser humano. E a tragédia do homem consiste precisamente em procurar satisfazê-lá em fontes falsas ou insuficientes.
“Privado deste alimento interior que eras Tu, meu Deus, sentia-me vazio, cheio de tédio, e a alma chagada lançava-se fora de ti, àvida de acalmar-se miseravelmente, em contato com as criaturas, a sede que a devorava.” Santo Agostinho
O homem tem sede de Deus e ignora-o. Busca a imagem perdida da fonte original.
A fonte cria a sede. E a sede leva-nos à fonte. Deus criou-nos com essa sede de felicidade, e é ela que empurra-nos para Ele. Por isso que as decepções e até as frustrações podem ser extraordinariamente úteis: ajudam-nos, como a um animal sedento, a apurar o nosso instinto religioso, que parece nos dizer: Não! Não é o charco de satisfação dos sentidos, da vaidade e da glória vã que há de satisfazer-me! Não; elas não conseguem preencher esse desejo imenso de felicidade que sinto! Corre! A fonte não está longe!
Que nossas angústias e tristezas - essas alegrias insuficientes - nos façam exclamar como ao filho pródigo: Sim, levantar-me-ei e irei a casa de meu Pai (Lc 15:18). Sinto-me órfão, tenho saudades do meu lar.
Pobres daqueles que se contentam com a sua precária alegria fisiológica e vegetativa: Ai de vós, adverte-nos Cristo, que agora estais fartos, porque havereis de ter fome (Lc 6:25).
Jesus e a Samaritana
Mas o Senhor sai ao nosso encontro como saiu ao encontro da Samaritana.
“Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água… (Jo 4:7-15).
Jesus serve-se da imagem da sede fisiológica, que satisfaz com a água comum - com a felicidade puramente humana - para depois desdobrá-lá em dimensões mais elevadas e despertar aquela outra sede mais profunda de felicidade eterna, sede de amor de Deus, que só o próprio Deus pode satisfazer.
A tragédia humana, como víamos, consiste precisamente em procurar a alegria onde ela não se encontra. Tudo nos atrai e tudo nos decepciona.
Assim como o caminhante no deserto, que em muitas ocasiões é enganado por falsos oásis, há naquele que confia no seu próprio coração, um vaivém de euforias e decepções, com um eterno retorno ao negativo ponto de partida.
Valerá a pena tanto esforço, se tudo depois termina, frustrando-nos?
Se conhecesses o dom de Deus
“Mas quem bebe da água que eu dou nunca mais terá sede. Ela se torna uma fonte que brota dentro dele e lhe dá a vida eterna”.” João 4:14
Quem se tenha aprofundado na essência do cristianismo, e não apenas fixado na periferia, sabe que essa afirmação do Senhor não é para o cristão um mero princípio especulativo, mas uma verdade experimental, uma vivência íntima.
Representa algo que fazia Blase Pascal exclamar no seu célebre Memorial: “Jesus Cristo … certeza, sentimento de certeza … alegria, paz, grandeza da alma humana … alegria, alegria, alegria, lágrimas de alegria.”; e São João da Cruz (século XVI): “Ó ditosa Ventura! Ó mão branda! Ó toque delicado que a vida eterna sabe e toda pena paga!”; e Santa Teresa de Ávila (século XVI): Ó celestial loucura! Ó suave desatino! Se uma gota dessa água dá tanta felicidade, que será ver-se afundada no oceano inteiro?”
É esse algo que não podem compreender os que não o experimentaram e pelo qual dão tudo aqueles que o conhecem.
O Senhor não oferece bugigangas. Cristo não nos deslumbra com o seu brilho; não usa as técnicas de marketing. É bem certo que uma carícia sua seria suficiente para derreter a nossa incredulidade, e um toque do seu amor o bastante para nos magnetizar. Mas Ele não quer diminuir a nossa liberdade. Por isso, no começo, apenas se insinua suavemente - Se conhecesses o dom de Deus … - e só no fim ao ritmo de nossa correspondência, é que nos entrega a plenitude do seu Amor em forma de alegria transbordante.
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