Um caminho seguro e alegre que nos conduz à Paixão
'“Alegrem-se com Jerusalém! Exultem por ela, todos que a amam e todos que por ela choraram! ' Isaías 66:10
Neste tempo litúrgico da Quaresma, somos convidados a refletir sobre o caminho que nos conduz à Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo. É um caminho marcado pela alegria, uma alegria que transcende as circunstâncias e se enraíza na esperança da redenção que Cristo nos oferece.
O profeta Isaías nos exorta a nos alegrarmos com Jerusalém, a exultarmos por ela, pois é o lugar onde encontramos a presença de Deus. Essa alegria não é superficial, não depende das circunstâncias externas, mas é uma alegria profunda que brota do conhecimento do amor de Deus por nós.
Ao longo do ano litúrgico, experimentamos diferentes manifestações dessa alegria: no Advento, na expectativa do nascimento do Salvador; no Natal, ao celebrarmos o nascimento de Jesus; na Páscoa, na vitória de Cristo sobre a morte. E agora, na Quaresma, meditamos na alegria da Cruz, na certeza de que é pela Paixão e Morte de Cristo que alcançaremos a Ressurreição.
“Como se sabe - diz Paulo VI - existem diversos graus de felicidade. A sua expressão mais elevada é a alegria no sentido estrito da palavra, quando o ser-humano, no nível das suas faculdades superiores, encontra a sua satisfação na posse de um bem conhecido e amado […]. Com muito mais razão chega ele a conhecer a alegria e a felicidade espiritual quando o seu espírito entra na posse de Deus, conhecido e amado como bem supremo e imutável”. E o Papa continua: “A sociedade técnica conseguiu multiplicar as ocasiões de prazer, mas é muito difícil engendrar a alegria, pois ela provém de outra fonte: é espiritual. Muitas vezes, não faltam, com efeito, o dinheiro, o conforto, a higiene e a segurança material; apesar disso, o tédio, o mau humor e a tristeza continuam infelizmente a ser a rotina de muitos”.
O cristão sabe que a alegria surge de um coração que se sente amado por Deus e que, por sua vez, ama com toda a sua força o Senhor; de um coração que, além disso, se esforça por traduzir esse amor em obras, porque sabe que “obras é que são amores, não as boas razões”.
Para amarmos com obras, o Senhor pede-nos que percamos o medo à dor, às tribulações, e o procuremos onde Ele nos espera: na Cruz. A nossa alma ficará então mais purificada e o nosso amor mais forte. Então compreenderemos que a alegria está muito perto da Cruz.
Essas tribulações que, à luz exclusiva da razão, nos parecem injustas e sem sentido, são necessárias para a nossa santidade pessoal e para a salvação de muitas almas. Quando unimos os nossos sofrimentos aos de Cristo, adquire-se um valor incomparável. O Senhor faz-nos ver que tudo - mesmo aquilo que não tem explicação humana - concorre para o bem daqueles que o amam (cf Rm 8,28). A dor, quando lhe damos o verdadeiro sentido, quando serve para amar mais, produz uma íntima e profunda alegria. Por isso, em muitas ocasiões o Senhor nos abençoa com a Cruz.
Assim temos que percorrer “o caminho da entrega: a Cruz às costas, com um sorriso nos lábios, com uma luz na alma” (São Josemaria Escrivá).
São Josemaria Escrivá nos lembra que esse caminho é marcado pela entrega, pelo amor de Deus que nos desperta e nos atrai, pela iluminação da inteligência e quebrantamento do coração, pela submissão à verdade revelada em Cristo e pelos atos de fé, começando pelo batismo.
Ao longo desse caminho, nos deparamos com desafios e contrariedades. Podemos ser tentados a desistir, a ceder ao desânimo, mas devemos lembrar que somos chamados a nos entregar a Deus e aos outros, a nos mortificar e ser exigentes conosco mesmos. E isso tudo deve ser feito com alegria, pois Deus ama quem dá com alegria.
Em nossa jornada, encontramos também momentos de iluminação e revelação. Assim como Nicodemos, somos convidados a crer naquilo que Deus revelou, especialmente na Cruz de Cristo, onde Ele manifestou seu imenso amor por nós. Jesus disse: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crê, mas tenha a vida eterna” (João 3, 16). Essa é a mensagem central do Evangelho: somos salvos pela graça, mediante a fé em Cristo.
A fé não é apenas um sentimento de confiança, mas um ato pelo qual cremos naquilo que Deus revelou. E Deus revelou seu amor por nós na Cruz de Cristo, onde Ele deu sua vida para nos salvar. Somos chamados a crer nesse amor imenso de Deus, que não se cansa nem desiste de nós, que nos oferece a vida eterna por meio de seu Filho.
Neste caminho de fé, somos convidados a nos deixar guiar pela luz que vem do mistério da cruz. É nela que encontramos a verdadeira alegria, apesar das contrariedades e dos desafios que enfrentamos. É nela que somos reconfigurados como verdadeiros filhos de Deus, participantes da vida eterna que Ele nos oferece.
Santo Tomás de Aquino, comentando esse versículo (Jo 3, 16), diz que podemos notar aqui o tamanho do amor de Deus por nós em quatro características.
Primeiro, por parte da pessoa que ama, pois Deus é quem ama, e imensamente; e por isso diz: “Deus amou tanto”. […] Segundo, por parte da condição do amado, porque o amado é o homem, qual seja, mundano, corpóreo, isto é, em pecado. E por isso diz: “O mundo”. Terceiro, pela grandeza dos dons, pois o amor se demonstra pela entrega. Ora, Deus nos deu o maior dom de todos, o seu Filho unigênito; e por isso diz: “Que deu o Filho”. […] E diz “seu”, isto é, Filho natural, consubstancial a si, não adotivo. […] Diz ainda “unigênito”, para mostrar que Deus não tem um amor dividido entre muitos filhos, mas <o tem> todo no Filho, a quem entregou a fim de comprovar a imensidade do seu amor. […] Quarto, pela grandeza do fruto, porque por Ele temos a vida eterna, por isso diz: “Todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, que Ele nos mereceu pela morte de cruz (Super Ioh., c. 3, l. 3).
Portanto há um processo, um caminho a ser percorrido. Uma vez que se tem esse organismo sobrenatural e se foi modificado por dentro pelo Batismo, é preciso crer. Para isso, devemos dar o passo que Nicodemos não deu. “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho de homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3, 14).
A alegria cristã não é negada pela dor, pelo sofrimento ou pelas tribulações que enfrentamos. Pelo contrário, é na Cruz que encontramos a fonte da verdadeira alegria. Como nos lembra o apóstolo Paulo, devemos nos alegrar sempre no Senhor, pois é nele que encontramos a plenitude da vida e da alegria.
É importante compreender que a alegria cristã não é apenas um sentimento de felicidade passageira, mas uma atitude interior que brota do nosso relacionamento com Deus. Como nos ensina São Paulo VI, a verdadeira alegria vem da posse de Deus em nossas vidas, do conhecimento do seu amor por nós.
Neste tempo de Quaresma, somos chamados a nos unir mais intimamente ao Senhor, a seguir o caminho da Cruz com alegria e confiança. Sabemos que a mortificação e a contrição, meditação e oração, que levam ao arrependimento podem ser difíceis, mas são necessárias para a nossa santificação e para a salvação de muitas almas.
Por isso, não devemos temer a dor, as tribulações ou as dificuldades que encontramos ao longo do caminho. Ao contrário, devemos abraçá-las com alegria, sabendo que é por meio delas que somos configurados mais plenamente a Cristo e participamos da sua obra redentora.
Portanto, que possamos continuar a percorrer este caminho de graça e alegria, com os olhos fixos em Cristo, que nos atrai para si com seu amor infinito. Que possamos nos entregar a Deus e aos outros, com a certeza de que Ele nos ama e nos sustenta em nossa jornada de fé. Que possamos, como Cristo, carregar nossa cruz com um sorriso nos lábios e uma luz na alma, pois sabemos que essa é a única maneira de alcançarmos a vida de Cristo em nós e fazermos a vontade do Pai.
Que o Espírito Santo nos fortaleça e nos guie neste caminho, para que possamos viver em comunhão com Deus e com nossos irmãos e irmãs, agora e para sempre. Amém.
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