Uma solidão e silêncio que guardam o segredo da grande revelação
Evangelho: Marcos 15,1-39
“Humilhou-se a si mesmo; por isso, Deus o exaltou acima de tudo”.
“VINDE e, ao mesmo tempo que subimos ao monte das Oliveiras, saiamos ao encontro de Cristo, que volta hoje de Betânia e, por vontade própria, apressa o passo rumo à sua venerável e feliz paixão, para levar à plenitude o mistério da salvação dos homens.” Santo André de Creta
Jesus parte muito cedo de Betânia. Desde a tarde anterior, tinham-se congregado nessa aldeia muitos dos seus discípulos; uns eram seus conterrâneos da Galileia, chegados em peregrinação para celebrar a Páscoa; outros eram habitantes de Jerusalém, convencidos pelo recente milagre da ressurreição de Lázaro. Acompanhado dessa numerosa comitiva e por outros que se foram juntando pelo caminho, Jesus toma uma vez mais a velha estrada de Jericó a Jerusalém, em direção ao monte das Oliveiras.
Ele mesmo escolhe a cavalgadura: um simples asno que manda trazer de Betfagé, aldeia muito próxima de Jerusalém. Na Palestina, o asno tinha sido a cavalgadura de personagens notáveis já desde o tempo de Balaão.
O cortejo organizou-se rapidamente. Alguns cobriram com os seus mantos o dorso do animal e ajudaram Jesus a montar; outros, pondo-se à frente, estendiam as suas vestes no chão para que o jumentinho as pisassem como se fossem um tapete; e muitos outros corriam pelo caminho, à medida que o cortejo avançava, espalhando ramos verdes ao longo do trajeto e agitando ramos de oliveira e de plantas arrancados das árvores das cercanias. E quando se aproximava da cidade, já na descida do monte das Oliveiras, toda a multidão dos discípulos, tomada de alegria, começou a louvar a Deus em altas vozes, por todas as maravilhas que tinha visto. E diziam: Bendito o rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas (cf Lc 19,37-38).
Jesus faz a sua entrada em Jerusalém, como Messias, montado num burrinho, segundo fora profetizado muitos séculos antes (cf Zc 9,9). E os cânticos do povo eram claramente messiânicos. Estas pessoas simples conheciam bem essas profecias, e manifestavam-se cheias de júbilo. Jesus aceita a homenagem, e quando os fariseus, que também conheciam as profecias, tentaram sufocar aquelas manifestações de fé e alegria, o Senhor disse-lhes: Digo-vos que, se estes se calarem, clamarão as pedras (cf Lc 19,39).
Mas o triunfo de Jesus é algo simples: “Contenta-se com um pobre animal por trono. Não sei o que se passa convosco; quanto a mim, não me humilha reconhecer-me aos olhos do Senhor como um jumento: 'E, no entanto, ainda pertenço a ti; tu seguras minha mão direita. (Salmos 73:23), “Tu me conduzes pelo cabresto”, São Josemaria Escrivá.
Hoje Jesus também quer entrar triunfante na vida das pessoas, sobre uma montaria humilde: quer que demos testemunho dEle com a simplicidade do nosso trabalho bem feito, com a nossa alegria, com a nossa serenidade, com a nossa sincera preocupação pelos outros. Quer fazer-se presente em nós através das circunstâncias do viver humano. Estou como um burrinho de carga diante de Ti, Senhor, e estarei sempre contigo.
'Quanto a mim, como é bom estar perto de Deus! Fiz do S enhor Soberano meu refúgio e anunciarei a todos tuas maravilhas.' Salmos 73:28
O CORTEJO TRIUNFAL de Jesus transpôs o cume do monte das Oliveiras e desceu pela vertente ocidental a caminho do Templo, que se podia avistar dali. Toda a cidade surgiu diante dos olhos de Jesus. E, ao contemplar aquele panorama, Jesus chorou (cf Lc 29,41).
Esse pranto, no meio de tantos gritos alegres e em tão solene entrada, deve ter sido completamente inesperado. Os discípulos devem ter ficado desconcertados. Tanta alegria que se quebrava subitamente, num instante!
Jesus vê como Jerusalém se afunda no pecado, na ignorância e na cegueira: Oh se ao menos neste dia, que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz! Mas agora tudo está oculto aos teus olhos (Lc 19,42). O Senhor vê como virão outros dias que já não serão como este, um dia de alegria e de salvação, mas de desgraça e ruína. Poucos anos mais tarde, a cidade será arrasada. Jesus chora a impenitência de Jerusalém. Como são eloquentes estas lágrimas de Cristo! Cheio de misericórdia, compadece-se da cidade que o rejeita.
Na solidão e no silêncio Jesus mantém vivo o segredo que transporta dentro de si desde sempre e que só será revelado depois da sua ressurreição: Ele que “era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz”. E só depois da ressurreição os seus discípulos poderão finalmente compreender quem ele realmente é.
No final Marcos confirma a identidade de Jesus através de um pagão. “O centurião que estava em frente dele, ao vê-lo expirar daquela maneira, disse: “verdadeiramente este homem era Filho de Deus!” Verdade que será o centro do evangelho anunciado pelos discípulos após a ressurreição. O leitor de Marcos vê-se diante de Jesus crucificado na urgência de repetir o que ouviu ao centurião, afirmando na fé que, “verdadeiramente, Jesus, é o Filho de Deus” que, sendo de “condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz”. Que foi anunciado por Isaías como o discípulo que se submete à palavra de Deus e àqueles que o mal tratam. Como o servo de Javé que não abre a boca para se lamentar. Como o homem de dores que mantém a sua confiança naquele que o pode tirar da morte.
Marcos dasafia, com a narração da Paixão, a reconhecer que Jesus, o crucificado, é o rei, o Messias, Filho de Deus.
Não ficou nada por tentar: nem milagres, nem obras, nem palavras, em tom severo muitas vezes, indulgentes outras … Jesus tentou tudo com todos: na cidade e no campo, com pessoas simples e com sábios, na Galileia e na Judeia … Como também na nossa vida nada ficou por tentar, remédio algum por oferecer. Tantas vezes Jesus saiu ao nosso encontro, tantas graças ordinárias e extraordinárias derramou sobre a nossa vida! “De certo modo, o próprio Filho de Deus se uniu a cada pessoa pela sua Encarnação. Trabalhou com mãos humanas, pensou com mente humana, amou com coração de homem. Nascido de Maria Virgem, fez-se verdadeiramente um de nós, igual a nós em tudo menos no pecado. Cordeiro, inocente, mereceu-nos a vida derramando livremente o seu sangue, e nEle o próprio Deus nos reconciliou consigo e entre nós mesmos e nos arrancou da escravidão do demônio e do pecado, e assim cada um de nós pode dizer com o Apóstolo: O Filho de Deus amou-me e entregou-se por mim [(Gl 2,20) - Concílio Vaticano II].
A história de cada pessoa a história da contínua solicitude de Deus para com ele. Cada ser-humano é objeto da predileção do Senhor. Jesus tentou tudo com Jerusalém, e a cidade não quis abrir as portas da misericórdia. É o profundo mistério da liberdade humana, que tem a triste possibilidade de rejeitar a graça divina. “Homem livre, sujeita-te a uma voluntária servidão, para que Jesus não tenha que dizer por tua causa aquilo que contam ter dito, por causa de outros, à Madre Teresa: <<Teresa, Eu quis …, mas os homens não quiseram>> São Josemaria Escrivá.
Como é que estamos correspondendo às inúmeras instâncias do Espírito Santo para que sejamos santos no meio das nossas tarefas, no nosso ambiente? Quantas vezes em cada dia dizemos sim a Deus e não ao egoísmo, à preguiça, a tudo o que significa falta de amor, mesmo em pormenores insignificantes?
“QUANDO O SENHOR entrou na Cidade Santa, os meninos hebreus profetizaram a ressurreição de Cristo ao proclamarem com ramos de palmas: Hosana nas alturas”.
Nós sabemos agora que aquela entrada triunfal foi bastante efêmera para muitos. Os ramos verdes murcharam rapidamente. O hosana entusiástico transformou-se, cinco dias mais tarde, num grito furioso: Crucifica-o! Por que foi tão brusca a mudança, por que tanta inconsistência? Para podermos entender um pouco do que se passou, talvez tenhamos que consultar o nosso coração.
“Como eram diferentes uma vozes e outras! - comenta São Bernardo - : Fora, fora, crucifica-o e bendito o que vem em nome do Senhor, hosana nas alturas! Como são diferentes as vozes que agora o aclamam Rei de Israel e dentro de poucos dias dirão: Não temos outro rei além de César! Como são diferentes os ramos verdes e a Cruz, as flores e os espinhos! Àquele a quem antes estendiam as próprias vestes, dali a pouco o despojam das suas e lançam a sorte sobre elas” (Sermão de Domingo de Ramos, 2).
A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém pede-nos coerência e perseverança, aprofundamento na nossa fidelidade, para que os nossos propósitos não sejam luz que brilha momentaneamente e logo se apaga. Muito dentro do nosso coração, há profundos contrastes: somos capazes do melhor e do pior. Se queremos ter em nós a vida divina, triunfar com Cristo, temos de ser constantes e matar pela penitência o que nos afasta de Deus e nos impede de acompanhar o Senhor até a Cruz.
'Abram-se, portões da cidade! Abram-se, antigos portais, para que entre o Rei da glória.' (Salmos 24:7). Quem permanece preso na cidadela do seu egoísmo não descerá ao campo de batalha. Mas, se levantar as portas da fortaleza e permitir que entre o Rei da paz, sairá com Ele a combater contra toda essa miséria que embaça os olhos e insensibiliza a consciência.
Maria também está em Jerusalém, perto do seu Filho, para celebrar a Páscoa: a última Páscoa judaica e a primeira Páscoa em que o seu Filho é o Sacerdote e a Vítima. Não nos separemos dela. Nossa Senhora ensinar-nos-á a ser constantes, a lutar até o pormenor, a crescer continuamente no amor por Jesus. Permaneçamos a seu lado para contemplar com Ela a Paixão, a Morte e a Ressurreição do seu Filho. Não encontraremos lugar mais privilegiado.
Medite e ore:
Ecoam em mim as palavras do centurião: “verdadeiramente este homem era Filho de Deus!”. Esta voz interrompe os meus trabalhos. Levanto a cabeço e fixo o olhar na tua cruz para ver quem é este homem de quem dizem que é Filho de Deus, de quem dizem que é Messias e rei. Estas palavras questionam a minha fé e perguntam por mim, pela minha resposta. Crês que “verdadeiramente este homem é Filho de Deus”? Estas palavras provocam em mim um silêncio, deixam-me só comigo, perplexo e intrigado. Estas palavras preenchem-me, dão-me alento e ânimo. Não entendo totalmente esta verdade, mas estas palavras sossegam-me e enchem-me de confiança.
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