Como superar divisões, conflitos e cismas, que isolam e fragmentam o Corpo de Cristo?

 


Amar, Perdoar e Servir: a graça que supera todo isolamento e conflito.





Como discípulos de Jesus Cristo nossa vocação é sublime e cheia de desafios. Fomos chamados para ser a luz do mundo e o sal da terra, para refletir a glória do Senhor em cada ação e palavra, especialmente em tempos de crise e divisão. Como ministros da Nova Aliança, conhecemos profundamente os mandamentos de reciprocidade que o Senhor nos deu no Novo Testamento. Somos exortados a **amar uns aos outros** (João 13:34), **perdoar uns aos outros** (Efésios 4:31-32), **suportar uns aos outros** (Efésios 4:1-3), **edificar uns aos outros** (1 Tessalonicenses 5:11) e **orar uns pelos outros** (Tiago 5:16).

E ainda assim, como podemos ignorar os constantes desafios que surgem na história da Igreja, onde, em vez de unidade e fidelidade, princípios basilares do cristianismo, encontramos abandono, divisão, indiferença e, às vezes, até mesmo difamação? Isso não é algo novo: os próprios discípulos de Jesus disseram, "Dura é essa palavra. Quem pode suportá-la?" (João 6:60). E muitos O abandonaram. O apóstolo Paulo também experimentou o abandono de seus companheiros ministeriais: "Na minha primeira defesa, ninguém apareceu para me apoiar, mas todos me abandonaram. Que isso não lhes seja cobrado" (2 Timóteo 4:16).


Esses exemplos, gravados nas Escrituras, são advertências para nós. Como servos do Deus Altíssimo, precisamos olhar para esses momentos com um coração humilde e aprender com eles.



Para ilustrar essa realidade associo ao conto de Machado de Assis "O Alienista", que apresenta uma profunda crítica à tirania da razão desmedida e à obsessão por controlar e classificar o comportamento humano, muitas vezes resultando em arbitrariedades e injustiças. O protagonista, Dr. Simão Bacamarte, ao tentar impor sua visão de normalidade e patologia na sociedade, acaba por prender praticamente toda a cidade, revelando que a linha entre sanidade e loucura pode ser subjetiva e manipulável. O conto demonstra como a falta de autocrítica e o excesso de poder podem levar ao isolamento e à destruição do tecido social.


Essa lógica de exclusão e controle imposta por Bacamarte pode ser associada à atitude de certos líderes que, ao fazerem acepção de pessoas — desprezando uns e apoiando outros com base em favoritismos ou julgamentos pessoais — ignoram completamente princípios basilares como a fidelidade e unidade e os mandamentos recíprocos do cristianismo, que ensinam a acolhida, a aceitação e o serviço mútuo. O próprio ato de dividir o corpo de Cristo por meio de exclusões e preferências está em total desacordo com o Evangelho, que prega a unidade e o amor.


### Lições para a sociedade contemporânea 


A moral de "O Alienista" aplicada ao contexto religioso, social e político da geração atual destaca os perigos do autoritarismo disfarçado de racionalidade ou de bem comum. No conto, Bacamarte justifica suas ações em nome da ciência, mas, no fundo, sua motivação está enraizada em vaidade e na busca pelo controle absoluto. De modo semelhante, no cenário brasileiro, muitos líderes podem adotar posturas de favoritismo ou exclusão para garantir controle, poder ou influência, frequentemente disfarçados de boas intenções.


O Ocidente, como sociedade diversa e plural, pode aprender que a construção de uma sociedade saudável depende da inclusão e do respeito mútuo. A acepção de pessoas e a criação de “grupos favoritos” destroem a coesão social, fomentam a desigualdade e aumentam as divisões. A partir dessa história, a nação pode refletir sobre a importância da justiça, do diálogo e da equidade, evitando repetir os erros de segregação e favorecimento que enfraquecem tanto a Igreja quanto a sociedade.


Assim como Bacamarte acaba isolado, qualquer sociedade, comunidade que opta por excluir em vez de incluir corre o risco de criar um ciclo de tirania, desconexão e fragmentação. A verdadeira liderança e o verdadeiro cristianismo residem na capacidade de unir, de incluir, de perdoar e de tratar todos com a mesma dignidade e respeito. Devemos aprender que uma sociedade ou uma comunidade só se fortalece quando seus líderes se guiam pela humildade e pelo serviço ao bem comum, em vez de manipular ou impor julgamentos pessoais que enfraquecem a unidade.



Ao longo da história da Igreja, diversos santos enfrentaram cismas e divergências doutrinárias com uma postura de profunda fidelidade à fé, humildade e zelo pela unidade. Aqui estão alguns testemunhos e ensinamentos que nos ajudam a entender como eles reagiram e enfrentaram essas crises:



### 1. **São João Crisóstomo (347-407) e o Cisma de Antioquia**

O cisma de Antioquia dividiu a Igreja por questões de sucessão episcopal e doutrinais. São João Crisóstomo, arcebispo de Constantinopla, foi um dos grandes defensores da unidade. Ele sofreu perseguições e foi exilado por sua firmeza em defender a fé e a moral, mas nunca recorreu ao ódio ou ao rancor.


**Ensinamento:**

São João Crisóstomo pregava que, embora houvesse divergências, a verdade de Cristo deveria ser mantida com humildade e amor.

- **“Nada nos fará tanto mal quanto o desânimo ou a discórdia entre irmãos. A paz é um bem maior do que qualquer conflito.”**

- Ele também destacou a importância do perdão e da paciência ao lidar com aqueles que estavam em erro: **“A paciência nas perseguições é a verdadeira força dos cristãos.”**


### 2. **Santo Agostinho (354-430) e o Cisma Donatista**

O **Cisma Donatista** foi uma divisão significativa na Igreja do norte da África, onde o grupo dos donatistas alegava que os sacramentos administrados por clérigos que haviam falhado durante a perseguição eram inválidos. Santo Agostinho lutou contra esse cisma com um equilíbrio entre firmeza doutrinária e caridade.


**Ensinamento:**

Santo Agostinho defendia a unidade da Igreja como um bem essencial e afirmou que os sacramentos não dependem da santidade do ministro, mas da graça de Deus. Ele se empenhou no diálogo, mas não hesitou em condenar os erros doutrinários, sempre buscando a reconciliação.

- **“Na necessária correção dos erros, o amor pela unidade deve prevalecer. Corrigimos, mas amamos.”**

- Ele também promoveu a ideia de que a caridade deve ser o princípio norteador, mesmo ao corrigir hereges e cismáticos: **“Ama o pecador, mas odeia o pecado.”**


### 3. **Santa Catarina de Sena (1347-1380) e o Grande Cisma do Ocidente**

Santa Catarina de Sena viveu durante o **Grande Cisma do Ocidente**, quando dois, e depois três, homens reivindicaram ser o verdadeiro papa. Isso causou grande divisão na Igreja. Santa Catarina tomou uma posição clara e corajosa ao apoiar o papa legítimo, Gregório XI, e depois Urbano VI.


**Ensinamento:**

Santa Catarina escreveu numerosas cartas aos papas e cardeais, pedindo unidade na Igreja e exortando a liderança da Igreja a buscar a reforma e a paz.

- **“Nada deva nos separar da verdade e da unidade da Santa Igreja, nem a ameaça, nem a divisão interna. O que nos separa de Deus é o egoísmo e o orgulho.”**

- Ela enfrentou os conflitos com oração, jejum e exortações firmes, sempre buscando a renovação espiritual da Igreja e a submissão à autoridade legítima.


### 4. **São Thomas More (1478-1535) e a Separação da Igreja Anglicana**

Chanceler da Inglaterra, enfrentou a criação da **Igreja Anglicana** quando o rei Henrique VIII se separou da Igreja Católica. Thomas More manteve-se fiel ao Papa e à doutrina, recusando-se a reconhecer o rei como chefe da Igreja da Inglaterra, o que o levou ao martírio.


**Ensinamento:**

Ele acreditava que a fidelidade à verdade de Cristo era mais importante do que a conveniência política ou pessoal.

- **“Morro como servo fiel do Rei, mas primeiro de Deus.”** Ele demonstrou que a lealdade a Cristo e à Igreja muitas vezes exige sacrifícios pessoais.

- Sua coragem e humildade em aceitar o martírio são um testemunho de fidelidade inabalável.


### 5. **São Francisco de Sales (1567-1622) e a Reforma Protestante**

Durante o período da **Reforma Protestante**, São Francisco de Sales, bispo de Genebra, enfrentou a divisão causada pelos protestantes calvinistas. Ele dedicou-se a reconquistar aqueles que se afastaram da Igreja Católica com gentileza, paciência e argumentos racionais.


**Ensinamento:**

Ele acreditava que a conversão deveria ocorrer pelo amor e pela persuasão, e não pela força.

- **“Uma colher de mel atrai mais moscas do que um barril de vinagre.”** Francisco escreveu inúmeros folhetos explicando a fé católica, mostrando a importância de usar o diálogo pacífico para sanar divisões.

- **“A verdade deve ser defendida com caridade, sem violência, pois não há coração que não ceda ao amor verdadeiro.”**


### 6. **São João Paulo II (1920-2005) e os Cismas Modernos**

São João Paulo II enfrentou muitas divisões internas e cismas doutrinários durante seu pontificado, especialmente com o **cisma Lefebvrista** (Fundado por Dom Marcel Lefebvre em oposição ao Concílio Vaticano II). Ele sempre buscou o diálogo e a reconciliação.


**Ensinamento:**

João Paulo II insistia na importância da unidade na diversidade, sem comprometer a doutrina. Seu pontificado foi marcado pelo diálogo ecumênico e pelo apelo à unidade cristã.

- **“A divisão entre os cristãos é um escândalo. Devemos rezar incessantemente pela unidade, pois é o desejo de Cristo que todos sejam um.”**

- Ele também promoveu o diálogo com caridade, reconhecendo que a verdade deve ser preservada, mas que a reconciliação só acontece com o perdão e a paciência: **“O perdão é a chave para a unidade.”**


Os santos nos ensinam que, mesmo diante de divisões, conflitos e cismas, a resposta cristã deve sempre estar fundamentada no amor, na caridade e na fidelidade à verdade. Eles enfrentaram as divergências doutrinárias com zelo pastoral, oração e humildade, sempre buscando a reconciliação e a unidade da Igreja. O exemplo deles permanece uma inspiração para líderes e pastores de hoje que enfrentam desafios semelhantes.



Práticas necessárias pautadas em princípios


### 1. **Unidade: Um Mandamento, Não uma Opção**


Nosso Senhor Jesus Cristo nos deu um novo mandamento: "Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros" (João 13:34-35). Este amor não é um sentimento superficial ou condicional; é um amor sacrificial, que nos chama a buscar reconciliação, compreensão e comunhão. Quando permitimos que divergências doutrinárias, conflitos pessoais ou disputas pastorais destruam esse amor, estamos negando a própria essência de nossa identidade como discípulos de Cristo.


A unidade cristã é um reflexo da unidade entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Cada divisão, cada cisma, cada palavra amarga proferida contra um irmão ou irmã, ofusca esse reflexo e afasta a presença de Deus entre nós. Devemos lembrar que o verdadeiro teste de nossa fidelidade a Cristo está em nossa capacidade de manter essa unidade, especialmente em tempos de dificuldade.


### 2. **Fidelidade: Uma Prova de Maturidade Espiritual**


Muitos de nós, pastores e líderes, somos tentados a abandonar aqueles que caminharam ao nosso lado durante anos. Alguns se omitem diante de crises, outros cortam relações, e há até aqueles que difamam seus irmãos e irmãs. Isso contraria diretamente o chamado de Jesus à fidelidade e ao perdão. Paulo, abandonado por seus companheiros, não permitiu que a amargura dominasse seu coração. Ele orou por aqueles que o deixaram "não lhes seja cobrada" (2 Timóteo 4:16). Esta é a postura de um líder que entende o perdão e a graça de Deus.


Quantos de nós hoje podemos dizer o mesmo? Quando nos deparamos com a divergência e com o distanciamento, estamos prontos a perdoar, a orar pelos que nos abandonaram e a buscar reconciliação? A fidelidade exige que nos mantenhamos firmes no amor, mesmo quando nos sentimos feridos ou desapontados. Somos chamados a ser pastores fiéis, a imitar Aquele que nunca nos abandona, mesmo quando falhamos.


### 3. **Recuperando a Humildade e o Espírito de Serviço**


O apóstolo Pedro nos lembra: "Sejam todos humildes, uns para com os outros, porque ‘Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes’" (1 Pedro 5:5). Um dos maiores inimigos da unidade e da fidelidade é o orgulho. Quando deixamos que o orgulho invada nossos corações, preferimos distanciar-nos de um irmão a buscar reconciliação. Preferimos julgar a situação em silêncio do que ter a coragem de nos aproximar e ouvir.


Lembremos que nosso ministério é, acima de tudo, um ministério de serviço. Jesus nos deu o exemplo supremo ao lavar os pés de Seus discípulos (João 13:1-17), e nos chamou a fazer o mesmo. Quando nos distanciamos daqueles com quem temos divergências, quando preferimos o julgamento à misericórdia, estamos, na verdade, abandonando nossa verdadeira vocação de servos. Que possamos retornar ao caminho da humildade, ouvindo uns aos outros, ajudando e servindo aqueles que mais necessitam, e buscando, acima de tudo, a reconciliação e a paz.


### 4. **O Cuidado Pastoral: Um Chamado Permanente**


Como pastores e líderes, temos a responsabilidade de cuidar não apenas de nossos próprios ministérios, mas também uns dos outros. Paulo nos lembra que devemos levar "os fardos uns dos outros" (Gálatas 6:2) e nos encorajar mutuamente a permanecer firmes na fé (Hebreus 3:13). Não podemos, em nossa indiferença, permitir que nossos irmãos e irmãs sejam desprezados e também façamos juízo errado por não ouvir e entender outra visão do mesmo fato. O chamado pastoral é um ministério de cuidado, que inclui aconselhamento, oração e suporte mútuo.


Em tempos de divisão e crise, sejamos os primeiros a buscar a reconciliação. Que o Espírito Santo nos dê a graça de abandonar o orgulho, o ressentimento e a indiferença, e nos conduza ao verdadeiro amor fraternal. Quando oramos uns pelos outros, edificamos a Igreja. Quando perdoamos e servimos, refletimos o coração de Cristo. E, ao fazermos isso, glorificamos a Deus e fortalecemos Sua Igreja.




### Conclusão

Queridos irmãos, o mundo observa a Igreja, e nossa maior testemunha é o amor e a unidade que demonstramos entre nós. Se não formos capazes de viver os mandamentos de Cristo de "amar uns aos outros", como o mundo crerá que somos verdadeiramente Seus discípulos? Devemos rejeitar as divisões, curar as feridas, e buscar a unidade que Jesus nos chamou a viver.


Que o Senhor nos conceda a graça de sermos líderes humildes, pastores amorosos, e servos fiéis, que edificam o Corpo de Cristo com paciência, bondade e compaixão. E que, em todas as nossas ações, busquemos glorificar a Deus e promover a reconciliação entre os irmãos, para que, juntos, possamos cumprir nossa missão de transformar o mundo pelo amor de Cristo.


Amém.

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