A vida só é possível reinventada
O cristão é chamado a se renovar: morrer para si, para o próprio egoísmo, para os interesses superficiais com o objetivo de se integrar a esta grande mistura (comunhão) de vida que é o Reino de Deus.
Deus despedaçou a inexorável lei do pecado e da retribuição invadindo a terra com o seu amor. Ao observar o pior que tínhamos para oferecer, enviou-nos Jesus, o seu próprio Filho. E, mediante a crucificação de Cristo, fez então desse ato cruel o remédio para a condição humana. O Calvário desfez o impedimento entre a justiça e o perdão. Aceitando sobre o seu ser inocente todas as severas exigências da justiça, Jesus quebrou para sempre a corrente da não-graça.
Com demasiada frequência eu escorrego de volta para uma luta olho-por-olho-dente-por-dente que fecha com força a porta do perdão. Por que eu teria de dar o primeiro passo? Fui ofendido. Por isso, não me mexo e, por causa dessa minha posição, aparecem rachaduras nos meus relacionamentos que, pouco a pouco, se alargam. Com o tempo essas rachaduras transformam-se em um abismo que parece impossível transpor. Fico triste, mas raramente aceito a culpa. Pelo contrário, justifico-me e destaco os pequenos gestos que fiz para a reconciliação. Mantenho uma contabilidade mental daquelas tentativas para me defender se for acusado daquela brecha. Fujo do risco da graça para a segurança da não-graça.
Henry Nouwen, que define o perdão como "amor praticado entre pessoas que amam defeituosamente", descreve como o processo do perdão funciona:
Digo com frequência: "Eu perdôo você". Mas, mesmo quando digo essas palavras, meu coração continua zangado ou ressentido. Ainda quero ouvir a história que me diz que eu estava certo, afinal de contas; ainda quero ouvir pedidos de desculpas e justificativas; ainda quero ter a satisfação de receber algum louvor em troca - pelo menos o louvor de ser tão perdoador!
O perdão de Deus, contudo, é incondicional; ele vem de um coração que não exige nada para si mesmo, um coração que está completamente vazio de interesses próprios. É o perdão divino que tenho de praticar em minha vida diária. Ele me convoca para continuar passando por cima de todos os meus argumentos que dizem que o perdão é loucura, doentio e impraticável. Ele me desafia a passar por cima de toda minha necessidade de gratidão e elogios. Finalmente, ele exige de mim que eu passe por cima daquela parte ferida do meu coração que se sente machucada e maltratada e que deseja ficar no controle e colocar algumas condições entre mim e a pessoa a qual sou solicitado a perdoar.
Um dia descobri estas advertências do apóstolo Paulo aninhada entre muitas outras em Romanos 12. Aborrecei o mal, alegrai-vos, sede unânimes, não sejais sábios em vós mesmos - e a lista prossegue. Então aparece o versículo: "Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar a ira, pois está escrito: Minha é a vingança; eu retribuirei, diz o Senhor".
Finalmente, entendi: em última análise, o perdão é um ato de fé. Perdoando outra pessoa, estou confiando que Deus é um juiz melhor do que eu. Perdoando, abandono meus próprios direitos de me vingar e deixo toda a questão da justiça nas mãos divinas. Deixo nas mãos de Deus a balança que deve pesar a justiça e a misericórdia.
Quando José do Egito, finalmente, chegou ao ponto de perdoar seus irmãos, a dor não desapareceu, mas o fardo de ser o juiz se desfez. Embora o mal não desapareça quando perdôo, ele perde seu poder sobre mim e é assumido por Deus, que sabe muito bem o que fazer.
As injustiças importunas continuam, e as feridas ainda doem. Tenho de me aproximar de Deus repetidas vezes, entregando a Ele os resíduos do que pensava ter-lhe entregue a muito tempo. Apenas vivendo na correnteza da graça de Deus encontro forças para reagir com graça para com os outros.
Um cessar-fogo entre os seres humanos depende de um cessar-fogo com Deus.
Fonte: Maravilhosa Graça, Philip Yancey
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