Páscoa - Virtudes essenciais

 


“Eis que é chegada a hora, e o Filho do Homem está sendo entregue nas mãos de pecadores.  Levantem-se, vamos embora! Eis que o traidor se aproxima.” Mt 26:45b,46

 

Consuma-se a traição com um sinal de amizade: Aproximou-se de Jesus e disse: Salve, Mestre. E beijou-o. Custa a crer que um homem que privara tanto com Cristo pudesse ser capaz de entregá-lo. Que foi que aconteceu na alma de Judas? Presenciara muitos milagres, conhecera de perto a bondade do coração do Senhor para com todos, sentira-se atraído pela sua palavra e, sobretudo, experimentara a predileção de Jesus, chegando a ser um dos doze mais íntimos. Fora escolhido e chamado pelo próprio Cristo para ser Apóstolo.

 

Que aconteceu na sua alma para que entregasse o Senhor por trinta moedas de prata?

 

A traição desta noite deve ter tido por trás uma longa história. Judas deve encontrar-se longe de Cristo já desde muito tempo antes, embora continuasse na sua companhia. Nada se passaria exteriormente, mas os seus pensamentos deviam andar longe. A fenda aberta na sua fé e na sua vocação, a ruptura com o Mestre, produziu-se provavelmente pouco a pouco, por uma cadeia de transigências em coisas cada vez mais importantes.

 

Em certo momento, reclama porque lhe parecem excessivas as provas de afeto que os outros tem para com o Senhor, e ainda por cima disfarça o seu protesto invocando amor aos pobres. Mas o apóstolo João diz qual foi a verdadeira razão: era ladrão, e, como tinha a bolsa, furtava o que nela lançavam (Jo 12:6).

 

Permitiu que seu amor por Cristo fosse se esfriando e então ficou num mero seguimento externo. A sua vida de entrega amorosa a Deus converteu-se numa farsa; mais de uma vez deve ter considerado que teria sido muito melhor se não tivesse seguido o Senhor.

 

Agora já não se lembra dos milagres, das curas, dos seus momentos felizes ao lado do Mestre, da sua amizade com os Apóstolos. Agora, é um homem desorientado, descentrado, capaz de cometer deliberadamente a loucura a que acaba de entregar-se. O ato que agora se consuma foi precedido por infidelidades e faltas de lealdade cada vez maiores. Este é o resultado último de um longo processo interior.

 

Por contraste, a perseverança e a fidelidade diária nas pequenas coisas, apoiada na humildade de recomeçar quando por fragilidade tenha havido algum extravio. 


Uma casa não desaba por um movimento momentâneo. Na maioria dos casos, esse desastre é consequência de um antigo defeito de construção. Mas, por vezes, o que motiva a penetração da água é o prolongado desleixo dos moradores: a princípio, a água infiltra-se gota a gota e vai insensivelmente roendo o madeiramento e apodrecendo a estrutura; com o decorrer do tempo, o pequeno furo vai ganhando proporções cada vez maiores, ocasionando fendas e desmoronamentos consideráveis; por fim, a chuva penetra na casa como um rio torrencial. 

 

Perseverar é responder positivamente às pequenas e constantes chamadas que o Senhor faz ao longo de uma vida, ainda que não faltem obstáculos e dificuldades e, às vezes, erros isolados, covardias e fracassos.

 

Enquanto contemplamos essas cenas da Paixão, examinemos como tem sido nos seus pequenos detalhes a nossa fidelidade à vocação de cristãos. Insinua-se em algum aspecto como uma dupla vida? Sou fiel aos deveres como cidadão do meu país? Cuido de manter um relacionamento sincero com o Senhor? Evito a vaidade e o apego aos bens materiais – às trinta moedas de prata?

 

“O SENHOR NÃO PERDEU a ocasião de fazer o bem a quem lhe fazia o mal. Depois de ter beijado sinceramente Judas, admoestou-o, não com a dureza que merecia, mas com a suavidade com que se trata um doente. Chamou-o pelo nome, o que é um sinal de amizade ... Judas, com um beijo entregas o Filho do homem? (Lc 22:48). E, para levá-lo a reconhecer a sua culpa, fez-lhe ainda outra pergunta cheia de amor: Amigo, com que propósito vieste? (Mt 26:50).  


Você, que era amigo e devia continuar a ser! Por mim, pode ser novamente. Eu estou disposto a ser de ti. Amigo, ainda que não me queira, Eu te quero. Amigo, por que você fez isto, com que propósito você veio?

 

Qualquer pecado, mesmo leve, está íntima e misteriosamente relacionado com a Paixão do Senhor. A nossa vida é uma afirmação ou é uma negação de Cristo. Mas Ele está disposto a readmitir-nos sempre na sua amizade, mesmo depois das maiores infâmias que possamos cometer. Judas recusou a mão que o Senhor lhe estendia. A sua vida, sem Jesus ficou desconjuntada e sem sentido.

 

Depois de entregá-lo, Judas deve ter seguido com profundo desassossego o desenrolar do processo contra Jesus. Em que acabaria tudo aquilo? Não demoraria a saber que os principais sacerdotes tinham decidido a morte do Senhor. Talvez não imaginasse que o desfecho seria tão grave. Vendo-o sentenciado, tomou-se de remorso e foi devolver as trinta moedas de prata. Pesaroso de sua loucura, faltou-lhe a virtude da esperança – de que poderia conseguir o perdão – e a humildade para voltar a Cristo. 

 

O Senhor nos espera, apesar de nossos pecados e falhas, na oração confiante e na confissão. Aquele que antes da culpa nos proibiu de pecar, uma vez que a cometemos, não cessa de nos esperar para nos conceder o perdão. Note que nos chama precisamente Aquele que nós desprezamos. Nos afastamos dEle, mas Ele não se afasta de nós. 

 

Por muito grandes que sejam os nossos pecados, O Senhor nos espera sempre para nos perdoar, e conta com a fraqueza humana, com os defeitos e fracassos. Está sempre disposto a nos chamar de amigos, a nos dar as graças necessárias para continuarmos em frente, se há sinceridade de vida e vontade de lutar. Ante o aparente fracasso de muitas de nossas tentativas, devemos nos lembrar de que Deus não nos pede tanto o êxito, mas a humildade de recomeçar, sem nos deixarmos levar pelo desânimo, melancolia, pessimismo, pondo em prática a virtude espiritual da esperança.

 

Jesus fica só. Os discípulos foram desaparecendo um após o outro. “O Senhor foi flagelado, e ninguém o ajudou; foi cuspido, e ninguém o amparou; foi coroado de espinhos, e ninguém o protegeu; foi crucificado, e ninguém o desprendeu.” Santo Agostinho

 

Encontra-se só diante de todos os pecados e baixezas de todos os tempos. Ali estavam também os nossos. 

 

Pedro seguia o Senhor de longe (Lc 22:54). E, como ele mesmo deve ter compreendido logo depois das suas negações, não se pode seguir Jesus de longe. Também nós o sabemos. Ou se segue o Senhor de perto ou se acaba por negá-Lo. Qual o motivo das nossas deserções? Quedas graves ou faltas ligeiras, relaxamentos passageiros ou longos períodos de tibieza (moleza, fraqueza, indiferença ...).

 

Mas agora queremos segui-Lo de perto; queremos permanecer com Ele, não deixa-Lo sozinho, mesmo nos momentos e nos ambientes em que não seja “popular” declarar-se discípulo. Queremos segui-lo de perto no trabalho, nos estudos, nas redes sociais, no templo, na família ... Mas sabemos que por nós mesmos nada podemos; com a nossa disciplina, dedicação, oração e serviço em amor, sim.

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