Digo estas coisas para que a alegria de vocês seja completa

 


“As pessoas viajam para admirar a altura das montanhas, as imensas ondas dos mares, o longo percurso dos rios, o vasto domínio do oceano, o movimento circular das estrelas, e no entanto elas passam por si mesmas sem se admirarem.”

Santo Agostinho


“Tenho lhes dito estas coisas para que a minha alegria esteja em vocês, e a alegria de vocês seja completa.” João‬ ‭15:11


Um dos problemas mais comuns na vida cristã é tentarmos saciar a fome de Deus que há em nós por meio de algum bem criado, isto é, de algo que é menos que Deus.  São Thomás de Aquino declarou que os quatro substitutos típicos de Deus são a riqueza, o poder, o prazer e a honra.


Ao sentir nosso vazio interior, tentamos preenchê-lo com alguma combinação dessas quatro coisas, quando é apenas nos esvaziando no amor que podemos criar espaço para que Deus nos preencha.  A tradição clássica deu a esse desejo errante o nome de ‘concupiscência’, mas creio que podemos expressar a mesma ideia recorrendo a um termo mais contemporâneo, como ‘vício’. 


O que ocorre é que, ao tentarmos satisfazer a fome de Deus com algo que é menos que Deus, naturalmente nos frustramos. E, em meio a essa frustração, nos persuadimos que precisamos ainda mais desses bens finitos, de modo que passamos a fazer todo tipo de sacrifício para obtê-los, sem, porém, deixar a insatisfação de lado. 


Nesse momento inicia-se uma espécie de pânico espiritual, e nos vemos girando obsessivamente em torno desse bem criado e finito que jamais poderá nos fazer felizes.


Diz, pois, Jesus: “Bem-aventurado os pobres no espírito, porque deles é o reino dos céus (Mt 5:3). Isso não é nenhuma romantização da pobreza econômica, nem a demonização da riqueza, e sim a fórmula do desapego. Poderíamos muito bem sugerir uma versão alternativa: o quão abençoados sereis se não estiverdes apegados às coisas materiais, se não colocardes os bens que o dinheiro pode comprar no centro de vossas preocupações! 


Quando o Reino de Deus for nossa preocupação última, prioritária, não apenas não ficaremos viciados em coisas materiais, mas também saberemos utilizá-las com grande eficiência para os propósitos de Deus.


Sob a mesma rubrica do desapego, consideremos a bem-aventurança: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados” (Mt 5:5). Mais uma vez, isso talvez possa parecer puro masoquismo, e é precisamente por isso que temos de ir mais fundo.


Poderíamos entender essa máxima como: sereis abençoados - ou afortunados - se não estiverdes viciados nos bons sentimentos. As sensações agradáveis (físicas, emocionais, psicológicas) são maravilhosas, mas, por serem apenas bens finitos, podem facilmente nos levar ao vício. 


Isso fica claro quando olhamos para o abuso das drogas psicotrópicas em nossa cultura, bem como para os hábitos vorazes de consumo e para a pornografia. 


Entenda: o que Jesus está dizendo não guarda qualquer relação com o puritanismo; antes, relaciona-se com o desapego e, por isso, com a liberdade espiritual mesma. Se não está viciada nos prazeres a pessoa pode seguir a vontade de Deus sem reservas, ainda que o caminho tenha como consequência algum sofrimento psicológico ou físico.


Tomás de Aquino declarou que o exemplo perfeito das bem-aventuranças deve ser encontrado no Cristo crucificado. Se quisermos as bem -aventuranças, isto é, a felicidade, temos que desprezar na cruz e amar o que na cruz Ele amou. O que foi que Ele desprezou senão os quatro vícios clássicos? 


Mas o que precisamente Jesus amou na cruz? A vontade do Pai. Jesus amou sua missão até o final, e foi exatamente o desapego exigido pelas quatro grandes tentações o que lhe permitiu trilhar esse caminho. 


Tudo o que Ele amou e desprezou encontrou na cruz um equilíbrio estranho. Pobre em espírito, manso, desolado e perseguido. Ele foi capaz de ser puro de coração, de buscar a justiça plena, de tornar-se o sumo pacificador e de ser o canal perfeito da misericórdia de Deus para o mundo.


Ainda que pareça extremamente paradoxal dizer isto, Jesus crucificado é o homem da bem-aventurança, um homem verdadeiramente feliz. Podemos afirmar que, pregado à cruz, Jesus é seu ícone verdadeiro, uma vez que está liberto dos obstáculos que o impediriam de alcançar o verdadeiro bem, isto é, de fazer a vontade do Pai.

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