Medo de Intimidade
Só descobrimos nossa identidade por meio da nossa capacidade de relação. É no contato com o outro que vamos conhecendo nossos desejos e temores, nossas virtudes e defeitos, nossos sonhos e realizações, nossa capacidade de amar e rejeitar. Para nos conhecermos um pouco mais, precisamos admitir o medo de nos relacionarmos intimamente com o outro. Intimidade implica proximidade, revelação de sentimentos profundos, compartilhamento de idéias e acolhimento mútuo. Ricardo Barbosa afirma que, "não há nada mais desejável e ao mesmo tempo mais rejeitado do que relacionar-se com alguém que nos conhece totalmente".
Quando assumimos nosso medo, é possível buscarmos na relação com Deus as condições de superá-lo. Ao descobrirmos que Deus deseja ter intimidade conosco, mesmo nos conhecendo profundamente - nossos problemas, medos, vícios, pecados - somos atraídos por seu amor.
O salmista escreve: "A intimidade do Senhor é para os que o buscam" (Sl 25.14). A vontade de Deus é sempre revelar-se aos homens e mulheres criados por Ele, pois é da sua natureza revelar-se pessoalmente àqueles que o amam. Quando nossa vontade é sermos como Deus deseja que sejamos, não há limites para nossa intimidade com Ele. Quando oferecemos a Deus nossa personalidade e deixamos que Ele nos transforme, passamos a relfetir sua imagem. Isso significa viver uma vida vedadeiramente humana, a vida para a qual Ele nos criou.
A nossa fuga ante o chamado de Deus denota o quanto nosso relacionamento é superficial. Não conseguimos ouvir o Seu coração, entender seus propósitos. Há apenas uma relação de obrigação; fazer porque é uma ordem. A intimidade com o outro implica conhecer suas razões e mostrar-lhe as nossas.
Não conseguimos nos doar, confiar, nem fazer aliança, pois estamos feridos demais para sermos íntimos do outro. Como diz Paul Tournier, vivemos em estado de tensão, entre a necessidade de nos revelarmos e a necessidade de nos encobrirmos. Tememos nos abrir e tornarmo-nos vulneráveis, sermos rejeitados ou criticados.
Nossa real necessidade é a de alguém que nos ouça, não por obrigação, nem com pressa ou com respostas prontas, preconceitos ou experiências que deram certo, mas com a alma. Precisamos de alguém que nos aceite como somos. É preciso coragem e autenticidade para expressarmos nossos sentimentos, especialmente aqueles considerados negativos, como a indignação, a ira e a frustração.
Precisamos reconhecer que nosso crescimento é contínuo. Sempre estaremos diante de novos desafios para conhecermos um pouco mais desse oceano que é o outro (suas escolhas, decisões, erros e acertos), bem como conhecermos nossas próprias reações, por vezes irreconhecíveis. Somos seres relacionais, chamados a nos construir mutuamente na relação íntima, humana, mas tocada pelo divino. Do contrário não vale a pena. Se não for íntimo, não será inteiro. Se não for verdadeiro, não será duradouro, pois ninguém pode amar uma máscara por muito tempo.
Deus não se cansa de nos mostrar Seu coração amoroso, perdoador e indulgente, e chamar-nos a uma espiritualidade além das formas religiosas e tradicionais, nas quais vem nos protegendo por tanto tempo. Para sermos nós mesmos, precisamos ter sobre nós um olhar de verdade e amor.
Assim, somos convidados a correr todos os riscos de nos abrirmos em intimidade, bem como a considerar a possibilidade de construirmos um caminho de relacionamentos mais saudáveis e uma espiritualidade mais pura.
Fonte: Mergulho no ser; Soraya Cavalcanti
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