Encontros que Transformam: Reconhecer, levantar e partilhar

 



Devocional: “Levanta-te e Anda, Coração que Arde”


Com base em Atos 3,1-10; Salmo 104(105); Lucas 24,13-35


*Contemplar o Mistério*

*“Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo, levanta-te e anda!”* (At 3,6)
*“
Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho?”*(Lc 24,32)
*“
Exulte o coração dos que buscam o Senhor.”* (Sl 104,3)



A Liturgia nos coloca diante de dois encontros decisivos: um com o corpo paralisado à beira da porta do templo, outro com corações desanimados à beira da estrada. Ambos, tocados pelo Nome de Jesus e pela Palavra que arde, são reerguidos – um nos pés, outro na fé. O Ressuscitado caminha entre nós, falando, tocando, partilhando pão e vida.



O Ressuscitado entre o Templo e a Estrada


Santo Agostinho, meditando sobre o episódio de Emaús (Serm. 235), diz que “Cristo estava com eles e neles, mas ainda não se deixava reconhecer, para que a fé se acendesse pelo fogo da Palavra.” Assim também Pedro e João, ao subirem ao templo, não oferecem o que é visível, mas comunicam o invisível: a presença viva de Cristo, que agora age pelos membros do seu Corpo.


Orígenes, ao comentar os Atos dos Apóstolos, vê no gesto de Pedro uma verdadeira liturgia: “O nome de Jesus é mais eficaz que qualquer tesouro. O paralítico é imagem da alma que, privada do Espírito, jaz fora do templo. Mas quando a Palavra é anunciada e a mão é estendida, ela entra jubilosa, como o povo liberto atravessando o Mar.” (Hom. in Act.)



A Fé Operante pelo Amor


São Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica (III, q.55, a.5), afirma que o Ressuscitado aparece aos discípulos no caminho para manifestar que “a fé nasce do testemunho da Escritura iluminada pelo próprio Cristo.” Os gestos do partir do pão e do levantar o paralítico são expressões concretas do amor teologal que se torna ato visível.


O paralítico não pede cura, mas esmola; recebe mais do que esperava. Assim, também os discípulos de Emaús queriam apenas consolo e recebem a Revelação. 


Santo Boaventura, com sua espiritualidade mística, comenta que a alma só compreende a Escritura “quando caminha com Cristo, mesmo sem saber, e consente em que Ele entre em sua casa” (Collationes in Hexaemeron).



O Nome que Levanta, a Palavra que Arde


“O Nome de Jesus é a mais breve pregação da fé. Ele não é fórmula mágica, mas Pessoa viva, presença eficaz.” Cantalamessa. 


Assim, ao invocar o Nome e estender a mão, Pedro torna-se instrumento da Ressurreição. Sobre Emaús, “a Palavra é como o fogo que aquece o coração congelado pela desilusão. E o Pão partido é a evidência de que o Crucificado vive e permanece no meio dos seus.” (O Mistério Pascal no Tempo da Igreja)



Caminho de Purificação até a Luz


O paralítico representa a alma que, ao longo de anos, se habitua à margem da graça, até que o Nome de Jesus rompe essa estagnação. Emaús mostra que, mesmo na fuga, o Ressuscitado busca e transforma. A paralisia da esperança e a cegueira espiritual são curadas pela presença viva do Verbo.



Aplicação Devocional: Reconhecer, Levantar, Partilhar


  • Reconhecer: Como os discípulos de Emaús, quantas vezes caminhamos com Cristo sem reconhecê-Lo? Ele fala nas Escrituras, nos pobres, nos gestos. A fé nasce da escuta e do acolhimento.
  • Levantar: Quem está ao nosso lado, à beira do caminho? O cristão não oferece ouro, mas vida: mãos que erguem, olhos que enxergam, palavras que restauram.
  • Partilhar: O ardor no coração se revela ao partir do pão – na Eucaristia, na caridade, na partilha da fé. O encontro verdadeiro nos faz voltar a Jerusalém: isto é, à missão.


+++



Abaixo, o aprofundamento da liturgia de hoje (Atos 3,1-10; Salmo 104; Lucas 24,13-35) à luz dos escritos e da teologia do Papa Francisco, com ênfase nos temas centrais de sua pregação: proximidade, encontro, misericórdia, e discipulado em saída.



1. A Igreja em saída que cura (Atos 3,1-10)


No episódio de Pedro e João curando o paralítico na Porta Formosa, vemos o que o Papa Francisco frequentemente chama de "Igreja em saída" (Evangelii Gaudium, 20-24). Pedro e João não se refugiam num culto separado da realidade humana; ao contrário, na ida ao templo, encontram-se com a miséria humana — e param. Eles não têm ouro ou prata, mas têm Jesus Cristo Ressuscitado.

Francisco escreve:


“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja doente pelo fechamento e pela comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG, 49).


A cura do paralítico é um ícone da missão cristã: olhar nos olhos, reconhecer a dignidade, estender a mão e levantar. Para o Papa, este é o gesto da misericórdia concreta: uma Igreja que toca a carne sofrida do povo e, com o nome de Jesus, restitui dignidade, movimento e louvor.



2. Corações ardentes e pés em movimento (Lucas 24,13-35)


Os discípulos de Emaús são imagem de todos os desiludidos da fé. Eles caminhavam para longe de Jerusalém — e, simbolicamente, se afastavam da cruz. Francisco frequentemente identifica essa atitude como a da tristeza paralisante e da esperança adormecida.


“Quantas vezes também nós vivemos uma fé da memória, como uma recordação bela da infância, sem um encontro vivo com o Senhor!” (Homilia, Vigília Pascal, 2020)


Cristo ressuscitado se faz companheiro de caminho, escuta suas frustrações e abre-lhes as Escrituras. Francisco destaca essa pedagogia da paciência: Jesus não os corrige de imediato, mas caminha com eles, pergunta, ouve — porque a fé nasce do encontro, não da imposição.


Ao partir o pão, seus olhos se abrem. Para Francisco, a Eucaristia é o lugar do reconhecimento, onde o coração queima e o discípulo volta à missão:

“A Eucaristia não é prêmio para os perfeitos, mas remédio e alimento para os fracos” (EG, 47).
“O verdadeiro culto a Deus passa pelo amor ao irmão” (
Angelus, 23/08/2020).



3. O salmo da busca e do louvor (Salmo 104)


O salmo ecoa o coração da liturgia:
“Exulte o coração dos que buscam o Senhor.”

Essa alegria do coração é, para o Papa, sinal da presença do Ressuscitado. Um coração que se abre à gratidão e à esperança é um coração evangelizador:

“A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus” (EG, 1).
“O cristão não é alguém que não tem problemas, mas aquele que encontrou em Jesus o sentido da vida” (
Homilia, 14/04/2013).



4. Aplicação Devocional à luz do Papa Francisco


Como viver esta liturgia hoje?

  • Como Pedro e João, você pode não ter riquezas, mas carrega o nome de Jesus. Com gestos simples — olhar nos olhos, ouvir, estender a mão — pode levantar os “paralíticos” da vida.
  • Como os discípulos de Emaús, você pode estar desanimado, mas Jesus caminha com você. Escute-O nas Escrituras, reconheça-O no partir do pão, volte ao caminho com ardor.
  • Como o salmista, louve e busque o Senhor com alegria, contagiando outros com a fé que aquece o coração.


Conclusão Devocional

A partir da leitura de Bento XVI, esta liturgia nos ensina que:

  • Devemos ser “templos em movimento”, como Pedro e João, levando a presença de Cristo aos paralisados pela vida.
  • Devemos escutar a Palavra com o coração aberto, para que ela nos aqueça por dentro e nos transforme.
  • Devemos reconhecer o Senhor no partir do pão, e a partir desse encontro, voltar correndo à nossa Jerusalém, isto é, ao centro da missão cristã: a comunhão com Deus e com os irmãos.




Oração:


Senhor Jesus, que passas por nossos caminhos, mesmo quando não Te reconhecemos, faz arder nosso coração com Tua Palavra e levanta-nos de toda paralisia com a força do Teu Nome. Que nossas mãos, como as de Pedro, ergam os caídos. Que nossos olhos, como os de Emaús, se abram no partir do Pão. Que nossos pés, como os do paralítico e dos discípulos, voltem ao templo e à missão, louvando-Te com alegria. Amém.



Compromisso Espiritual


Hoje, comprometo-me a *erguer com palavras ou gestos alguém prostrado pela vida* — com o Nome de Jesus nos lábios e a caridade nas mãos. E a cultivar a escuta da Palavra até que meu coração arda, reconhecendo o Ressuscitado no cotidiano.

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