Páscoa – “Uma Alegria Maior que o Tempo”

 



Introdução: 

A alvorada da nova criação


*Leitura Orante: João 20,1-9*
*Verso-chave: “Ele viu, e acreditou” (Jo 20,8)*


O primeiro dia da semana amanhece sob o véu da escuridão, mas algo novo já resplandece. Maria Madalena corre, não para ver a vida, mas para velar a morte. Contudo, o que encontra é o sepulcro vazio — não uma ausência, mas o sinal de uma Presença que venceu o tempo e a morte. Aqui, começa o tempo novo, a nova criação, o novo Êxodo.


Agostinho de Hipona dirá que “a noite não é ausência de Deus, mas o ventre onde nasce a fé”. Tomás de Aquino acrescentará que “a ressurreição é o selo da verdade de Cristo”, pois somente Aquele que é a Vida poderia, por Si mesmo, voltar da morte. Cantalamessa, com sua ternura profética, afirma que “a Ressurreição não é o retorno à vida antiga, mas a explosão da nova criação”. É essa explosão que se dá no íntimo do coração de João: “Ele viu, e acreditou.”



São Tomás de Aquino, na Suma Teológica (especialmente na IIIa Pars, questões 50–52), apresenta com profundidade e clareza a necessidade e conveniência da morte e sepultura de Cristo dentro do plano salvífico. Para ele, a morte e o sepultamento de Jesus não foram apenas fatos históricos, mas mistérios teológicos fundamentais para a redenção da humanidade.

Abaixo, seguem os principais pontos da necessidade da morte e da sepultura de Cristo segundo São Tomás:



Necessidade da morte de Cristo


a) Para a Redenção do gênero humano (STh III, q. 50, a. 1)
Cristo morreu 
como satisfação pelos pecados da humanidade. Sua morte tem valor infinito, por ser Ele verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Era necessário que Cristo assumisse a penalidade do pecado humano para resgatar o homem da culpa e da pena:

“Cristo sofreu por nós voluntariamente, para nos libertar do pecado, satisfazendo por nós.” (Suma Teológica, III, q. 46, a. 1)


b) Para dar prova do seu amor (STh III, q. 46, a. 4)
Nada manifesta melhor o amor do que dar a vida pelos outros. A morte de Cristo é o ápice do amor divino:

“Deus prova seu amor para conosco pelo fato de que, sendo nós ainda pecadores, Cristo morreu por nós” (Rm 5,8).


c) Para nos deixar um exemplo perfeito de obediência e humildade (STh III, q. 46, a. 3)
Cristo se submeteu à morte por obediência ao Pai, ensinando-nos a obedecer e a confiar mesmo na dor:

“Fez-se obediente até à morte, e morte de cruz.” (Fl 2,8)


d) Para vencer o pecado, o diabo e a morte (STh III, q. 49)
Cristo derrotou o diabo não com violência, mas com humildade e amor obediente. Ao morrer, desfez o poder da morte e do pecado:

“Com sua morte, venceu o dominador da morte.” (Hb 2,14)



Necessidade da sepultura de Cristo


São Tomás dedica uma questão especial à sepultura de Cristo (STh III, q. 51), e ensina que ela foi também parte essencial do mistério da salvação, por várias razões:


a) Para confirmar verdadeiramente a sua morte
Se Cristo não tivesse sido sepultado, poderia haver dúvida se Ele tinha realmente morrido. A sepultura confirma a 
realidade da sua morte contra as heresias docetistas, que negavam sua humanidade:

“Para que a verdade da sua morte fosse manifestada, convinha que fosse sepultado.” (STh III, q. 51, a. 1)


b) Para consagrar o repouso dos túmulos dos fiéis
A sepultura de Cristo 
santificou os sepulcros dos cristãos, tornando-os um lugar de esperança na ressurreição:

“Cristo, ao ser sepultado, consagrou os túmulos para os que creem n’Ele.” (cf. SermõesCatena Aurea).


c) Para mostrar que verdadeiramente assumiu as consequências do pecado humano

Ele desce até o extremo da condição humana — até a morte e o túmulo — para nos resgatar por completo, até mesmo no que parecia ser a derrota final.


d) Para preparar sua vitória sobre o inferno e a morte
Como Cristo é o vencedor da morte, Ele penetra no “reino dos mortos” (cf. 
descensus ad inferos, q. 52), abrindo as portas do céu aos justos do Antigo Testamento. A sepultura é o pré-lúdio da ressurreição.



São Tomás, em continuidade com os Padres da Igreja (como Santo Agostinho e Santo Ambrósio), vê a morte e a sepultura de Cristo como um mistério salvífico integral: Jesus morreu para nos redimir, foi sepultado para confirmar sua morte, santificar os túmulos e, de lá, ressurgir vitorioso.

Nas palavras de Santo Ambrósio, retomadas pela Escolástica:

“Na cruz está a redenção, no túmulo está o descanso, e na ressurreição está a vitória.”


Assim, cada etapa do Tríduo Pascal — paixão, sepultura e ressurreição — é necessária e inseparável para a plena obra da salvação.



A fé como caminho de luz


O Evangelho de João descreve três figuras que simbolizam estágios da fé:

  • Maria Madalena, envolta pela dor, ainda incapaz de ver além do luto;
  • Pedro, marcado pela culpa, entra no sepulcro, mas ainda não entende;
  • João, o discípulo amado, vê os sinais e crê.


Essa progressão — da escuridão ao olhar contemplativo — é o itinerário de toda alma crente. Como ensinava São Gregório Magno, “a fé não nasce da evidência, mas do amor que vê com os olhos do coração”. Ver, aqui, é mais do que enxergar; é penetrar no Mistério. Garrigou-Lagrange ensina que a fé pura se inicia quando os sentidos falham e só resta a confiança. *João não viu o Cristo — viu o vazio — e mesmo assim acreditou.*



A Páscoa que atravessa a história


Na casa de Cornélio, Pedro testemunha a Ressurreição com simplicidade e poder: “Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu que Ele Se manifestasse a nós.” A escolha divina recaiu sobre testemunhas imperfeitas — Pedro, que negou; Maria, que chorou; João, que correu sem saber. E, no entanto, foi por meio deles que o mundo recebeu a Verdade.


A Escolástica nos lembra que a ressurreição de Cristo é o princípio da nossa justificação (principium justificationis). Pela fé e pelo Batismo, somos inseridos no Cristo ressuscitado (cf. Col 3,1-4). Morremos com Ele para o homem velho e renascemos com Ele para uma vida nova. Esta vida é oculta ainda (vita est abscondita), mas real.


O salmo 117 torna-se o cântico pascal por excelência: “Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e alegremo-nos nele!”Cristo é a “pedra rejeitada” (v.22), exaltada por Deus como fundamento da nova humanidade. No mistério da Igreja, cada pequena comunidade pascal — pobre, esquecida, frágil — é o lugar onde essa pedra viva edifica o Reino.



Uma esperança que não morre


A Páscoa é o “sim” definitivo de Deus à humanidade. Ao ressuscitar Jesus, o Pai confirma tudo o que Ele disse, viveu e prometeu. A morte não tem mais a última palavra. Como diz Cantalamessa, “a Ressurreição é a inversão da lógica do mundo: os mortos vivem, os pobres são exaltados, e a cruz torna-se trono”.


Não precisamos esperar pela manifestação final da glória para viver como ressuscitados. Pela fé, já vivemos “escondidos com Cristo em Deus” (Col 3,3). A missão que brota dessa fé é clara: anunciar com alegria que o sepulcro está vazio. Mesmo com lágrimas nos olhos, mesmo com dúvidas no coração, ousamos proclamar: Cristo ressuscitou!



Meditação espiritual


“Não morrerei, mas hei de viver, para anunciar as obras do Senhor” (Sl 117,17)

Como João, somos chamados a correr ao túmulo, a entrar no mistério, a ver e crer. Não esperemos visões gloriosas — os sinais são discretos: um lençol dobrado, a ausência do corpo, a memória das palavras do Mestre. A fé pascal é silenciosa, humilde, luminosa. É o início de uma alegria maior que o tempo.



Compromisso espiritual da semana


Mesmo com lágrimas nos olhos, direi a todos: “Cristo ressuscitou”.


Que minha vida, marcada pelas pequenas fidelidades, seja um testemunho da ressurreição. Ao reunir-me com minha comunidade, oferecerei ao mundo um sinal de esperança. A força do Ressuscitado age até nas assembleias mais frágeis. Eu sou testemunha.


Oração:


Senhor Jesus Ressuscitado,
Tu és a luz que rompeu a noite.
Teu túmulo vazio encheu o mundo de esperança.
Concede-me ver, como João,
crer mesmo sem provas,
e viver como ressuscitado,
com os olhos fixos nas coisas do alto.

Renova em mim a alegria da salvação,
para que eu proclame com a vida:
Tu venceste a morte, e em Ti tudo se fez novo!

Amém. Aleluia.

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