Sábado Santo - Rompendo o silêncio com a vida

 


“Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo?”* (Lc 24,5)


Na noite mais santa do ano, quando a luz rompe as trevas e o silêncio dá lugar ao canto, somos chamados a contemplar o mistério pascal não como espectadores, mas como participantes. O Sábado Santo nos fez mergulhar no silêncio profundo da sepultura de Cristo — o mesmo silêncio que ressoa desde o princípio, quando “a terra era sem forma e vazia” (Gn 1,1), mas também quando, no alvorecer da criação, Deus viu que tudo era muito bom.


Esse “grande silêncio”, descrito na antiga homilia patrística do Sábado Santo, não é vazio de sentido. É o silêncio de um Deus que repousa após sua obra redentora, assim como repousou após a criação. 


Santo Epifânio, ecoando essa homilia, diz: “O Senhor adormeceu segundo a carne, e o Hades estremeceu”. Cristo dorme, sim, mas é um sono fecundo: Ele desce aos infernos para libertar os cativos, para acordar Adão, Eva e todos os filhos da antiga aliança. Dorme como semente na terra — e a terra estremece, pois está prestes a dar à luz a nova criação.



*Ressurreição e Criação: um único mistério*


O Gênesis e o Evangelho desta noite se encontram: o mesmo Deus que disse “façamos o homem à nossa imagem” (Gn 1,26) agora ressuscita como Novo Homem, Primogênito da nova criação (cf. Rm 8,29). *Santo Irineu de Lião*, o grande teólogo da encarnação, nos lembra: “Glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”. Na ressurreição, Cristo devolve ao homem a glória perdida — Ele nos recria não com o barro, mas com o Sangue e o Espírito. O homem velho é crucificado, o novo nasce do sepulcro vazio.


Santo Agostinho, em suas Homilias sobre os Salmos (em especial sobre o Salmo 37), reflete sobre o silêncio do Sábado Santo como um momento de introspecção e confiança em Deus:


"No silêncio do Sábado Santo, a Igreja medita a paixão de Cristo e aprende a esperar em Deus. Assim como o salmista clama 'Espero no Senhor' (Sl 37,7), nós, diante do sepulcro, somos chamados a silenciar nossas ansiedades e confiar que a vitória de Cristo está próxima."


Agostinho conecta o silêncio do Sábado Santo à necessidade de uma espera confiante, um tema central na liturgia desse dia, que nos prepara para a alegria da Ressurreição.


São João Crisóstomo, em suas Homilias sobre a Ressurreição, aborda o Sábado Santo como um tempo de transição entre a morte e a vida:


"No Sábado Santo, a terra guarda silêncio, pois o Rei dorme. Mas esse silêncio não é de derrota, e sim de expectativa, pois o Senhor desceu aos infernos para libertar os justos. A Igreja, em sua liturgia, imita esse silêncio, ensinando-nos a esperar a glória da Ressurreição."


Crisóstomo enfatiza o caráter escatológico do Sábado Santo, um dia em que o silêncio litúrgico reflete a obra redentora de Cristo nos "infernos", preparando a Igreja para celebrar a vitória pascal.


Eis o clamor da segunda leitura: “Nosso velho homem foi crucificado com Cristo... para que não mais sirvamos ao pecado” (Rm 6,6). São Tomás de Aquino interpreta isso na Suma Teológica como o princípio da nossa libertação interior: Cristo venceu a morte não apenas fora de nós, mas dentro de nós. A graça pascal destrói o domínio do pecado, abre caminho à vida teologal, desperta as virtudes, enche o mundo da luz do Ressuscitado.


Aquino, em sua Suma Teológica (III, q. 51, a. 4), analisa a descida de Cristo aos infernos, um evento tradicionalmente associado ao Sábado Santo:


"Cristo, ao repousar no sepulcro no Sábado Santo, completou a obra da redenção ao descer aos infernos, anunciando a salvação aos justos que o aguardavam. A liturgia desse dia, marcada pelo silêncio, nos ensina a venerar o mistério da sua morte, que é a causa da nossa vida."


Ele vê o silêncio litúrgico do Sábado Santo como uma oportunidade para meditar sobre o mistério da redenção, que se consuma plenamente na Ressurreição.


São Bernardo de Claraval, em seus Sermões Diversos (Sermo 15, sobre o Sábado Santo), reflete sobre o papel de Maria e o silêncio do sepulcro:


"No Sábado Santo, a Virgem Mãe permanece em silêncio, mas cheia de esperança, junto ao sepulcro de seu Filho. A Igreja, unida a ela, aprende a esperar na fé, pois o silêncio do sepulcro não é o fim, mas o prelúdio da Ressurreição. Este dia nos chama a contemplar e a nos preparar para a luz que virá."


Bernardo destaca a figura de Maria como modelo de esperança durante o Sábado Santo, um elemento presente na liturgia, que nos convida a esperar com fé.



*A fé de Madalena: esperança em ato*

Ela, no jardim, representa a alma que ama e, por isso, busca. Sua dor não a paralisa, seu amor não aceita o fim. O túmulo vazio é, para ela, confusão e mistério. Mas, como nos diz Raniero Cantalamessa, é precisamente nesse túmulo vazio que nasce a fé pascal: “A fé cristã não nasce da ausência de sofrimento, mas da certeza de que o sofrimento e a morte não têm a última palavra”. *A Ressurreição não nega a cruz — ela a transfigura*.


Quando os anjos perguntam: “Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo?”, o mundo todo é interrogado. Nossa fé está viva ou sepultada? Procuramos Jesus entre estruturas caducas, entre hábitos mortos, entre promessas esquecidas? Ou abrimos os olhos, como Madalena, ao chamado vivo de Cristo: “Maria!”?


Ele reflete sobre o Sábado Santo como um momento de transição espiritual:


"O Sábado Santo é o dia do grande silêncio, mas também da grande esperança. A liturgia, ao nos privar da Eucaristia, nos ensina a sentir a ausência de Cristo para desejá-lo ainda mais. É um tempo de estar com Maria, meditando o sacrifício da cruz e preparando o coração para a alegria da Ressurreição."


Cantalamessa sublinha o silêncio litúrgico como uma pedagogia espiritual, que nos ajuda a valorizar a presença de Cristo e a nos preparar para a Vigília Pascal.



*Rompendo o silêncio com a esperança*


Garrigou-Lagrange, em As Três Idades da Vida Interior, vê na Páscoa a transição da alma da via purgativa para a via iluminativa. A morte do homem velho dá lugar à vida segundo o Espírito, onde a caridade já não é apenas impulso, mas hábito infundido. O cristão pascal é aquele que vive no mundo como ressuscitado — livre, sereno, constante na oração e ardente na missão.


Garrigou-Lagrange interpreta o Sábado Santo como um momento de purificação espiritual, alinhando-se à liturgia que nos chama ao silêncio e à espera.


É por isso que, hoje, a Igreja nos convida a romper o silêncio. Não mais um silêncio de dor, mas o silêncio da tumba vencido pelo canto da vida. Como canta o salmista: “Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra toda a face renovai” (Sl 103/104). Este é o Espírito da ressurreição, da nova criação, do novo homem.



*Conclusão: uma proclamação pascal*


Nesta Vigília, deixemos ressoar em nosso interior o grito da vida. Que os sinos não apenas toquem do lado de fora, mas ecoem dentro do coração. Como diz o prefácio pascal: “Vencendo a morte, Ele restaurou a vida”. Já não vivemos como escravos do pecado, mas como homens e mulheres ressuscitados com Cristo.

Sejamos, então, como Madalena: apóstolos da ressurreição, proclamadores da esperança, rompendo o silêncio com nossas vidas.


*Digamos com toda a Igreja, com os mártires, com os santos, com os anjos:

“Jesus Cristo Ressuscitou! O sepulcro vazio está! O Deus feito Homem venceu a morte!”*

*Aleluia! Aleluia! Aleluia!*

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