Medo de conhecer a si mesmo
Jonas é o símbolo de alguém que quer permanecer deitado, adormecido, em si mesmo. Alguém que não quer ouvir falar de coisas que podem levar a um encontro consigo mesmo. Seu modo de vida lhe é suficiente. Só mergulha em seus pensamentos, os quais sua razão pode compreender. Foge de sua voz interior, da voz do seu coração.
Quando Deus lhe ordena que vá a Nínive, lugar de seus inimigos, Jonas emudece. Fecha seus ouvidos e toma um rumo em sentido contrário. Ele foge. Ir a Nínive significa ir ao interior de si mesmo, e isso o assusta terrivelmente. Nesse instante, ele simboliza o homem que foge de sua identidade, que foge para não ouvir a si mesmo, que foge porque não quer cumprir sua missão, sua responsabilidade - primeiro para consigo mesmo e, depois, para com o outro.
Quando fugimos de nós mesmos para não nos enfrentarmos, quando insistimos em pegar desvios e atalhos, afetamos não apenas a nós mesmos mas também aos que estão ao nosso redor, frequentemnte pessoas que nos querem muito bem.
Jonas foi o responsável por aquela grande tempestade que acometia a tripulação do navio. Mas estranhamente, enquanto as pessoas angustiavam, choravam, sentiam medo e pavor, ele conseguiu dormir um sono profundo. Parecia um ser atemporal, impenetrável. Parafraseando o título da obra do escritor tcheco Milam Kundera, naquela situação, o profeta fazia transparecer, abusivamente, uma insuportável leveza do ser. E não é tarefa fácil caminhar ao lado de pessoas que desenvolveram essa insustentável leveza de ser.
É assim conosco também. Quando não encaramos nossas tempestades interiores, elas refletem em nossas relações mais íntimas, em nosso mundo exterior. Não ser verdadeiro, fugir de nossa missão, não escutar nossa voz mais profunda - a voz do coração - traz consequências graves para o outro.
A história de Jonas lembra-nos que quem não conhece a si mesmo ainda não emergiu das águas turvas, ainda não viu a luz nem penetrou nos mistérios da vida. Entretanto, há uma palavra de ordem para o auto-conhecimento: "Levante-se. Ponha-se em pé". Deixe de lado seu instinto de fuga. Faça valer sua existência. Acione os sentidos de sua alma. Abra seus mapas. Utilize a bússula que existe dentro de você. Porque perder-se, às vezes, é contigência de existir. Achar-nos só é possível se não tivermos jogado fora nosso arquivo, que contém nossos registros mais íntimos, nosso DNA da alma: o Ser.
Fonte: Mergulho no ser, Soraya Cavalcanti
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